Por Luciano Nutti
Sócio-Diretor da Consultoria de Tributos Diretos
Athros Auditoria e Consultoria
Em setembro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores relativos à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário. A decisão, com efeito de repercussão geral, se refere ao Tema 962, em julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.063.187.
Como já era esperado, a União Federal apresentou embargos de declaração com o intuito de limitar a aplicação da decisão proferida e modular os seus efeitos, objetivando evitar, ou pelo menos minimizar, a devolução dos valores indevidamente pagos pelos contribuintes.
No final de abril/22, o Tribunal, por unanimidade, acolheu em parte os embargos de declaração para:
- esclarecer que a decisão embargada se aplica apenas nas hipóteses em que há o acréscimo de juros moratórios, mediante a taxa Selic em questão, na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por meio de compensação), seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial;
- modular os efeitos da decisão embargada, estabelecendo que ela produza efeitos ex nunc a partir de 30/9/21 (data da publicação da ata de julgamento do mérito), ficando ressalvados:
- as ações ajuizadas até 17/9/21 (data do início do julgamento do mérito);
- os fatos geradores anteriores a 30/9/21 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral, nos termos do voto do relator.
Antes de tecermos comentários sobre a modulação dos efeitos da decisão em pauta, vale lembrar o ocorrido com a “tese do século” (PIS/Cofins sobre o ICMS), na qual vimos uma grande quantidade de contribuintes se mobilizando para ingressar com medida judicial antes do término do julgamento, exatamente com o objetivo de se resguardar dos reflexos de eventual modulação, visto que o cenário se mostrava demasiadamente favorável aos contribuintes.
Historicamente, o STF sempre preservou o direito dos contribuintes que ingressaram com medida judicial até o encerramento do julgamento de mérito, fato que por si só justificou essa “maratona”, em especial pela relevância do tema.
E de fato foi o que ocorreu. Os contribuintes que ingressaram nesse prazo (até o fim do julgamento), foram excetuados da modulação e mantiveram o direito de recuperação dos valores indevidamente pagos, restando aguardar, por óbvio, o trânsito em julgado de seu processo judicial.
A modulação dos efeitos relativa à “Tese 962”, por sua vez, foi totalmente diferente e “inovadora” (no pior dos sentidos) ao excetuar da modulação apenas os contribuintes que ingressaram com medida judicial até a data do início do julgamento (17/09/21).
Frente ao longo histórico de decisões do STF atrelando a modulação à data do fim do julgamento, a novidade pegou muitos contribuintes “de calça curta”, sem dúvida.
Neste cenário, muitos contribuintes que ingressaram com medida judicial durante o julgamento (após o início e antes do final) foram prejudicados com essa inovação esdrúxula, não lhes sendo assegurado o direito à recuperação dos valores indevidamente pagos nos cinco anos precedentes ao ingresso da medida judicial.
Nas razões dos embargos de declaração, inclusive, a União havia reforçado a necessidade de modulação pautada no fato de que cerca de 20% dos processos relacionados à tese teriam sido ajuizados após a inclusão do recurso extraordinário em pauta para julgamento.
Outro ponto importante a ser destacado é que a modulação dos efeitos da decisão excetuou os contribuintes que não efetuaram o pagamento do IRPJ e CSLL a que se refere a tese.
Isso quer dizer, em outras palavras, que a decisão favoreceu os contribuintes que adotaram uma postura mais arrojada, prejudicando aqueles com posicionamento mais conservador.
Com todo esse imbróglio, convém um resumo dos reflexos práticos em cada situação.
- Empresas que ingressaram com medida judicial
- Até 17/09/21: será garantido o direito de levantamento dos indébitos tributários em relação aos cinco anos precedentes ao ingresso da ação;
- Após 17/09/21: não será permitida a compensação dos valores eventualmente recolhidos até 30/09/2021 (data da publicação da ata de julgamento do mérito);
Para esses contribuintes, a compensação dos valores indevidamente pagos somente poderá ser efetuada após o trânsito em julgado da decisão, devendo ainda aguardar o deferimento do pedido de habilitação de crédito.
Uma vantagem para esses contribuintes é que não há necessidade de retificação de obrigações acessórias, pois será tratado como um único crédito, decorrente de ação judicial.
- Empresas que NÃO ingressaram com medida judicial
- Que sujeitaram os valores à tributação: não poderão reaver os créditos, sendo garantido o direito de não recolhimento apenas a partir de 30/09/21. Eventuais valores pagos a partir de 30/09/21 poderão ser recuperados administrativamente (pagamento indevido ou a maior);
- Que NÃO sujeitaram os valores à tributação: não cabe efetuar qualquer recolhimento, visto que foram excetuados da modulação dos efeitos.
Aos contribuintes que optaram por não ingressar com a ação, e que sujeitaram os valores à tributação, a recuperação dos valores indevidamente pagos (a partir de 30/09/2021) se dará mediante recálculo dos valores devidos a título de IRPJ e CSLL, dando origem a pagamentos indevidos ou a maior destes tributos, sendo necessário, nesse caso, proceder à retificação das obrigações acessórias.
Há sem dúvidas outros pormenores que poderiam ser aqui elencados em razão de peculiaridades de cada contribuinte. O importante, contudo, é que cada um analise com cautela sua situação para a melhor tomada de decisão possível.
Por fim, vale lembrar que ainda será emitido parecer da PGFN sobre o tema, objetivando esclarecer os impactos da modulação dos efeitos da decisão para cada situação. Embora, em tese, não haja motivos para grandes surpresas, é importante uma atenção especial ao parecer, quando de sua publicação.