Transação Excepcional e Transações por Adesão: “Novo Refis”?

Por Luciano Nutti
Consultoria Tributária – Impostos Diretos

 

Não é novidade que o Governo Federal, de tempos em tempos (em uma média aproximada de três anos), vem criando programas especiais para que os contribuintes possam regularizar débitos tributários e previdenciários, seja no âmbito da Receita Federal do Brasil – RFB ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN.

As nomenclaturas dadas a esses programas são inúmeras (Paes, Paex, Refis, PER, Pert), até porque há de fato peculiaridades em cada um deles. Contudo, referidos programas vêm popularmente sendo chamados de Refis (“Refis da crise”, “Refis da Copa”, e assim por diante).

Em meio aos já visíveis impactos econômicos decorrentes do Covid-19, os contribuintes têm ansiado por medidas que suavizam o bolso, muitas delas, inclusive, já adotadas, notadamente pelo Governos Federal, a exemplo da postergação do vencimento de alguns tributos.

Em tempos de crise, agigantam-se as dificuldades de as empresas arcarem com todos os gastos existentes, por vezes forçando-as a optar pelo inadimplemento de algumas contas. Nesse quesito, sem dúvida, os tributos estão na linha de frente, seja pelo simples fato de que a carga tributária no Brasil é demasiadamente elevada, seja porque deixam de ser “prioridade”, em comparação a contas essenciais como energia elétrica, água, telefone, internet, dentre outras, além da importância de manter o salário dos colaboradores em dia.

Em abril de 2020 foi publicada a Lei 13.988, a qual estabeleceu requisitos e condições gerais para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas, realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública.

Referida lei englobou diferentes modalidades de transação (posteriormente elencadas em portarias específicas), quais sejam, a chamada transação excepcional na cobrança da dívida ativa da União; e as adesões no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e no contencioso tributário de pequeno valor.

No dia 17/06/20 foram publicadas duas portarias versando sobre essas modalidades de transação. A primeira delas é a Portaria nº 14.402, da PGFN, a qual estabeleceu as condições para transação excepcional na cobrança da dívida ativa da União, em função dos efeitos da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) na perspectiva de recebimento de créditos inscritos.

Vale lembrar ainda que, no âmbito da PGFN, em abril, já haviam sido editadas duas portarias relacionadas ao tema, quais sejam, as portarias PGFN 9.917/20 e 9.924/20, a primeira regulamentando a transação na cobrança da dívida ativa da União, de forma geral, e a segunda estabelecendo as condições para transação extraordinária, sem, contudo, apresentar vantagens de redução de juros, multas e encargos.

Importante frisar que os benefícios da Portaria nº 14.402 são aplicáveis única e exclusivamente a débitos inscritos em dívida ativa da União, cujos débitos sejam considerados de difícil recuperação ou irrecuperáveis, mesmo aqueles em fase de execução ajuizada ou objeto de parcelamento anterior rescindido, com exigibilidade suspensa ou não, de valores até R$ 150.000.000,00.

Para essa avaliação, a PGFN considerará a capacidade de pagamento do contribuinte, levando-se em conta, inclusive, os impactos econômicos e financeiros causados pela pandemia.

Essa modalidade oferece a possibilidade de parcelamento e a aplicação de descontos que podem atingir até 100% do valor dos juros, das multas e dos encargos-legais, conforme o caso, conforme veremos adiante.

Em suma, a PGFN fará a análise, de forma individualizada, das informações prestadas pelo contribuinte, de modo a concluir sobre a aplicabilidade ou não em cada caso. Para que o contribuinte possa usufruir do benefício, a PGFN deve enquadrar os créditos como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. As informações serão prestadas no período de 01/07/20 a 29/12/20 por meio do portal REGULARIZE (www.regularize.pgfn.gov.br).

A capacidade de pagamento dos contribuintes, para fins de usufruto dos benefícios dispostos na Portaria 14.402/20, será verificada mediante análise da receita bruta e demais informações declaradas na ECF e EFD-Contribuições; informações declaradas na EFD-Reinf; valores registrados em notas fiscais eletrônicas (NF-e) de entrada e de saída; informações declaradas ao eSocial e GFIPs; débitos declarados nas DCTFs; valores de rendimentos pagos ao devedor e declarados por terceiros em Dirf; dentre outras informações a serem prestadas na adesão.

 

Como regra geral, os contribuintes aprovados no critério de avaliação da PGFN deverão promover um pagamento inicial, a título de entrada, correspondente a 4% do valor total consolidado, dividido em 12 parcelas (0,334% ao mês), sendo o restante parcelado:

  • Em até 72 meses para pessoa jurídica, com possibilidade de descontos de até 100% sobre os valores de multas, juros e encargos, respeitado o limite de 50% do valor total da dívida;
  • Em até 133 meses para pessoa física, empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil de que trata a Lei n. 13.019/ 2014, com possibilidade de descontos de até 100% sobre os valores de multas, juros e encargos, respeitado o limite de até 70% do valor total da dívida.

 

A segunda portaria publicada em 17/06/20, por sua vez, foi editada pelo Ministério da Economia (ministro Paulo Guedes). Trata-se da Portaria nº 247, a qual estabeleceu critérios e procedimentos para a elaboração de proposta e de celebração de transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e no de pequeno valor.

Nos moldes dessa portaria, considera-se controvérsia jurídica relevante e disseminada aquela que trate de questões tributárias que ultrapassem os interesses subjetivos da causa e, preferencialmente, ainda não afetadas a julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, que será considerada disseminada quando se constate a existência das situações que especifica.

Por sua vez, considera-se contencioso tributário de pequeno valor, para fins de transação por adesão, aquele (i) cuja inscrição em dívida ativa ou lançamento fiscal em discussão não supere 60 salários mínimos; e (ii) que tenha como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte.

A proposta de transação por adesão será realizada mediante publicação de edital pela PGFN ou pela Secretaria Especial da RFB do Ministério da Economia, conforme o caso, podendo prever a concessão de descontos de até 50% do valor total do crédito, e de prazo para pagamento de, no máximo:

  • 84 meses, no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica;
  • 60 meses, no contencioso tributário de pequeno valor.

No contencioso tributário de pequeno valor, o desconto máximo somente poderá ser atribuído nas hipóteses em que o prazo de quitação seja igual ou inferior a 12 meses.

Mas será que esses programas podem ser considerados como um “novo Refis”? Definitivamente não! Aliás, o próprio Governo Federal rejeitou esse título, na medida em que é exigida a efetiva comprovação da dificuldade de honrar com as dívidas tributárias, o que nunca havia ocorrido antes nos programas especiais criados até então pelo Governo Federal.

Teria então sido abandonada a ideia de um Refis com maior abrangência e sem os requisitos de análise prévia de recuperabilidade do crédito tributário?

Em tese não. Muitos deputados defendem a continuidade dos debates no Congresso, mas é mais provável que esse assunto volte à tona quando se conheça ao certo o tamanho do estrago causado pela pandemia, embora haja quem defenda a criação imediata de um novo Refis.

Alguns deputados também já se manifestaram no sentido de dar uma nova roupagem ao programa, pois o Refis no Brasil já teria sido vulgarizado, passando a ideia de que é melhor não pagar os impostos em seus respectivos vencimentos e esperar um programa especial com benefícios, e que isso, de certa forma, conflita com a moralidade.

Sem adentrar, contudo, na discussão moral dos programas de recuperação fiscal, torçamos para que de fato venha a ser implementado um novo programa, independentemente se durante ou após a pandemia, e que tenha de fato uma abrangência maior de débitos inadimplidos pelos contribuintes.

Afinal, não é novidade quão elevada é a carga tributária em nosso país e, em razão disso, é natural a dificuldade de honrar com todos os compromissos tributários, em especial em tempos de pandemia.  Por essa razão, generalizar que o contribuinte deixa de pagar tributos para aguardar um programa especial com benefícios é, no mínimo, falta de bom senso!

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