Por Isabella Gomes
Sócia Supervisora Consultoria – Diretos
Athros Auditoria e Consultoria
Muitas empresas adotam como política junto a seus colaboradores o pagamento baseado em ações, também conhecido pela expressão em inglês “stock options”.
Trata-se de um sistema de remuneração variável oferecido pela companhia, fundamentado no exercício de direito por parte do colaborador de comprar ações da própria companhia, por um preço fixo e dentro de um prazo determinado, conforme regras acordadas previamente entre as partes.
Frente ao cenário econômico apresentado pelo país e sua alta carga tributária, esse modelo de remuneração vem sendo cada vez mais praticado pelas empresas brasileiras que buscam uma nova forma de remuneração de seus colaboradores, em especial dos executivos.
Porém, também face à realidade brasileira que até o momento não possui legislação específica para o assunto, esses planos de remuneração, dependendo da forma em que são estruturados, vêm enfrentando obstáculos tributários, trabalhistas e previdenciários.
Antes de adentrarmos aos óbices causados pela falta de legislação específica, convém conhecermos o funcionamento dos planos de stock options, que geralmente obedecem a quatro fases distintas: (i) concessão da opção; (ii) exercício da opção de compra; (iii) compra das ações pelo beneficiário; (iv) venda das ações pelo beneficiário.
Entre a concessão da opção (i) e o exercício da opção de compra (ii) pode haver um período de carência estabelecido entre as partes, conhecido como vesting, e normalmente utilizado pelas empresas como forma de garantir a permanência do colaborador na companhia.
O exercício da opção de compra é livre, podendo o colaborador exercê-la ou não. Uma vez exercida a opção de compra, fica possibilitada a aquisição propriamente dita das ações, que usualmente acontece quando o valor das ações é maior do que o preço do exercício da opção. Por fim, na fase de venda das ações o beneficiário realiza o provável ganho na operação (diferença entre o valor de venda e o de compra).
Diante dessa mecânica, a vasta discussão travada entre os contribuintes e as autoridades tributárias diz respeito à quando e como tributar tais rendimentos. Há duas vertentes de interpretação sobre o tema, quais sejam: (a) stock options são tributadas por ocasião do exercício da opção de compra, como rendimento do trabalho (tabela progressiva do IRPF, sujeito a ajuste na declaração); (b) stock options são tributadas quando da venda das ações por parte do beneficiário, como rendimento de ganho de capital (alíquotas variáveis entre 15% e 22,5% com tributação definitiva).
Categorizando no eixo de tempo as fases dos planos em relação às possíveis tributações, teríamos:
Classificação do Plano | Concessão da Opção | Exercício de Opção de Compra | Compra da Ação | Venda da Ação |
Quando e Como Tributar | ||||
A) Remuneração pelo Trabalho | Não se aplica (possiblidade de aquisição) | Não se aplica (ocorre apenas a aquisição do direito ao ativo) | Tributa a renda pela tabela progressiva, calculada pela diferença entre o valor de mercado e o de compra | Tributa o ganho de capital pela venda |
B) Operação Mercantil | Não se aplica (possiblidade de aquisição) | Não se aplica (ocorre apenas a aquisição do direito ao ativo) | Não se aplica (ocorre apenas a aquisição do ativo) | Tributa o ganho de capital pela venda |
Os julgamentos administrativos emanados pela Receita Federal do Brasil (RFB) têm levado em conta as características do plano de stock options firmado entre as partes para classificação da tributação pelo item (a) ou (b) acima.
Caso o pagamento baseado em ações não seja totalmente desvinculado dos serviços prestados pelo beneficiário à companhia, o entendimento da RFB é o de que a remuneração é derivada de rendimentos do trabalho (item a), ocorrendo aqui a incidência do imposto de renda pela tabela progressiva, bem como a incidência das contribuições previdenciárias.
A base de cálculo adotada pela RFB nessa interpretação corresponde à diferença entre o valor de mercado das ações na data do exercício da opção de compra e o valor de compra das ações efetivamente despendido pelo colaborador. Assim, a RFB entende que o valor de mercado das ações diminuído de seu preço de compra equivale à remuneração do colaborador pelos serviços prestados à empresa.
Por outro lado, se o pagamento baseado em ações ocorrer dentro de premissas que regulem operações mercantis de compra e venda de ações, o preço de compra das ações despendido pelo colaborador corresponde ao custo de aquisição das ações e a tributação incidirá tão somente por ocasião da venda de referidos ativos, com a apuração de ganho de capital (item b).
Todavia, para classificar o plano de pagamento baseado em ações como sendo de operação mercantil, a RFB argumenta que várias condições devem estar estipuladas no plano, dentre elas: (i) adesão opcional ao plano; (ii) ofertas esporádicas e não recorrentes por parte da companhia; (iii) presença de risco, isto é, incerteza de ganho para os beneficiários; (iv) que o colaborador despenda de recursos próprios para pagamento do exercício de opção de compra e para a compra efetiva; (v) o direito ao exercício de opção de compra não deve estar condicionado ao cumprimento de metas por parte do colaborador.
Podemos concluir que a estruturação do plano de pagamento baseado em ações deve ser muito bem avaliada pelas empresas antes de sua concessão, a fim de evitar eventuais interpretações e enquadramentos equivocados, com consequentes autuações por parte das autoridades fiscais.
Na esfera judicial, entretanto, recentemente tivemos junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF3) precedente favorável ao afastamento da incidência da alíquota de 27,5% de imposto de renda sobre os ganhos auferidos em stock options. Os magistrados firmaram entendimento de que se trata de uma operação mercantil, sujeita à incidência do imposto de renda tão somente por ocasião da apuração do ganho de capital pela venda das ações.
Embora a União tenha recorrido da decisão de primeira instância, sob a alegação de que a causa decorre de Employee Stock Options, em que as ações são recebidas em troca de trabalho habitual durante o período de carência e que, portanto, estariam sujeitas ao imposto de renda pela aplicação da tabela progressiva, a desembargadora relatora do caso no TRF3 confirmou a decisão de primeira instância, concluindo que a relação jurídica constituída no pagamento baseado em ações é distinta da relação de trabalho.
A magistrada entendeu que o resultado da operação com stock options é imprevisível e por essa razão não se reveste de caráter remuneratório, contando ainda com a adesão voluntária do colaborador ao plano que, a partir de então, assume todos os riscos inerentes à operação, sem guardar relação direta com o desempenho de suas funções profissionais.
Até que não tenhamos legislação específica que regulamente o assunto, a tributação da renda gerada pelo sistema de pagamentos baseados em ações permanecerá como tema controverso. Cabe às empresas, portanto, agirem com muita ponderação e tipificar muito bem os seus planos, principalmente no que se refere a distanciá-los do conceito de remuneração do trabalho, revestindo-os com as características de operação mercantil, assim sendo: adesão voluntária, exercício e compra onerosos das ações e assunção de riscos pelo colaborador quanto à oscilação dos preços dos ativos.