Por Isabella Gomes
Sócia Supervisora Consultoria – Diretos
Athros Auditoria e Consultoria
Sabemos que administrar bem uma empresa no Brasil envolve conhecer muito de perto o entrelaçamento das regras societárias e tributárias. Em um ano atípico e adverso como 2020, saber escolher a melhor forma de remunerar os sócios pode fazer a diferença na salvaguarda dos resultados e na otimização da contrapartida aos sócios por suas atuações na empresa.
Atualmente as legislações societária e tributária preveem três formas possíveis de remuneração aos sócios:
- Pró-labore
- Distribuição de lucros ou dividendos
- Juros sobre o capital próprio
Cada uma dessas modalidades apresenta características e tributação diferenciadas entre si e a legislação não impede que as três sejam adotadas de forma concomitante pela empresa, desde que as regras de cada uma sejam observadas. No entanto, saber dosar corretamente o impacto das remunerações, planejando seu pagamento, é medida salutar para proteger o equilíbrio contábil e financeiro da empresa.
Sendo assim, discorreremos brevemente sobre cada uma das formas de remuneração dos sócios:
Pró-labore
Pró-labore, em latim, significa “pelo trabalho” e, portanto, essa remuneração refere-se ao trabalho prestado pelo sócio à empresa. Normalmente sua atribuição consta de cláusula contratual a favor dos sócios que administram a empresa, podendo ser extensiva aos demais, desde que também conste do contrato social.
Cabe à empresa em conjunto com os sócios definir o valor de retirada a título de pró-labore. Não há uma definição legal sobre o valor específico, mas é de praxe que as empresas sigam a tabela da Previdência Social, que estabelece o teto mínimo e o teto máximo para arrecadação, pois a única regra é que o pró-labore não pode ter valor inferior ao salário-mínimo vigente.
Sobre o pró-labore incidem tributos específicos. Por ser considerado uma renda proveniente do trabalho, para fins de tributação pelo IRPF é classificado como rendimento tributável recebido de pessoa jurídica, devendo ser aplicada sobre ele a tabela progressiva mensal, que pode alcançar uma tributação de até 27,5%.
No que tange à tributação previdenciária, para as empresas do Simples Nacional não há contribuição patronal incidente sobre o pró-labore, mas o sócio sofrerá a retenção de 11% desta, para cômputo de aposentadoria. Já para as empresas tributadas pelo Lucro Presumido e pelo Lucro Real, há o encargo social de 20% sobre o valor do pró-labore de ônus da empresa, bem como a retenção de 11% de ônus do sócio.
Para as empresas tributadas pelo Lucro Real, a despesa com o pró-labore e seu encargo de 20% são considerados dedutíveis na apuração do IRPJ e da CSLL. Para a pessoa física do sócio não há mudanças: é um rendimento tributável pelo IRPF (tabela progressiva) e pela Previdência Social, sendo que para esta última fica computado como contribuição em seu processo de aposentadoria.
Distribuição de lucros ou dividendos
A distribuição de lucros é a modalidade prevista pela legislação para remunerar os sócios com os lucros líquidos auferidos pela empresa, ou seja, com o montante positivo e disponível após o registro de todas as receitas, custos e despesas e do pagamento de todos os tributos.
Usualmente essa remuneração é calculada em proporção à participação dos sócios no capital social da empresa, mas pode existir cláusula no contrato social que autorize a distribuição desproporcional de lucros, desde que haja a devida anuência de todos os sócios.
Por ser uma remuneração calculada sobre o lucro auferido pela empresa após o pagamento de todos os seus tributos, para o sócio que a recebe é considerada pela legislação como um rendimento isento e não tributável pelo IRPF, além de não haver incidência de encargos previdenciários.
Naturalmente, a premissa básica para adoção dessa forma de remuneração é a existência de lucros apurados pela empresa, mensurados contabilmente. A legislação não autoriza a distribuição antecipada de lucros.
As empresas tributadas pelo Lucro Real obrigatoriamente têm de evidenciar o lucro líquido em suas demonstrações contábeis. Todavia, vale lembrar que as empresas optantes pelo Simples Nacional e pelo Lucro Presumido, que podem não estar obrigadas à elaboração de demonstrações contábeis, somente poderão distribuir lucros isentos em montante maior do que a aplicação do percentual de tributação sobre o faturamento/ lucro quando apresentarem escrituração contábil que evidencie a existência de referidos lucros. Caso contrário, a parcela excedente poderá ser considerada pela legislação tributária como renda tributável.
Juros sobre o capital próprio
A remuneração dos sócios através de juros sobre o capital próprio consiste no pagamento (entrega efetiva de recursos) ou no crédito (direitos a receber futuramente) de valores calculados sobre determinadas contas do patrimônio líquido, mediante a aplicação da taxa de juros de longo prazo – TJLP.
É uma modalidade prevista pela legislação para remunerar os sócios por conta do capital por eles investido na empresa e por essa razão se equivale a um rendimento de aplicação financeira, inclusive no que se refere à tributação, ou seja, é considerado um rendimento sujeito à tributação exclusiva/ definitiva.
Assim, o pagamento ou o crédito dos juros sobre o capital próprio deve ser feito pela empresa aos sócios em valor líquido da retenção do imposto de renda, que é de 15%.
As empresas tributadas pelo Lucro Real podem deduzir integralmente o valor da despesa de juros sobre o capital próprio na apuração do IRPJ e da CSLL. Porém, antes de ser pago ou creditado, o valor obtido sobre a aplicação da TJLP sobre as contas permitidas do patrimônio líquido ainda deve ser submetido a dois limites para fins de distribuição dedutível: 50% do lucro líquido do exercício ou 50% da reserva de lucros (lucros acumulados), dos dois o maior. Dessa forma, se os juros sobre o capital próprio calculados estiverem dentro dos 50% do maior desses limites, a despesa é dedutível.
Como podemos perceber, muito embora o pró-labore e os juros sobre o capital próprio sejam despesas dedutíveis para fins de apuração do IRPJ e da CSLL sob o Lucro Real (os regimes do Simples Nacional e do Lucro Presumido não levam em conta as despesas para cálculo dos tributos), e a distribuição de lucros não surtir efeito de despesa no resultado contábil das empresas, cada modalidade de remuneração é enquadrada em uma natureza de rendimento diferente perante o IRPF, além do fato de haver incidência de contribuição previdenciária (parte empresa e parte sócio) no pró-labore.
A pergunta-chave, portanto, é: qual delas é a melhor para a empresa e para os seus sócios?
Deixando momentaneamente de lado a questão previdenciária no que tange à formação do tempo e da contribuição para aposentaria dos sócios pela figura do pró-labore e tratando exclusivamente do custo tributário que envolve as três modalidades, a forma que apresenta maior vantagem é o pagamento ou o crédito dos juros sobre o capital próprio.
Com o objetivo de detalhar os efeitos fiscais, comparamos as três modalidades de remuneração no quadro abaixo (em R$), considerando a carga tributária em cada alternativa, no caso de uma empresa tributada pela sistemática do Lucro Real, e que tenha como sócios, pessoas físicas, com a remuneração de R$ 100.000,00:
Cálculo do IRPJ e da CSLL Anual |
Pró Labore | Juros TJLP | Distribuição Lucros |
Lucro Líquido antes dos Juros e Pró-Labore | 1.000.000 | 1.000.000 | 1.000.000 |
Pró-Labore | 100.000 | 0 | 0 |
INSS (Patronal) – 20% | 20.000 | 0 | 0 |
Juros TJLP | 0 | 100.000 | 0 |
Lucro Líquido antes dos Impostos | 880.000 | 900.000 | 1.000.000 |
Adições/Exclusões | 0 | 0 | 0 |
Base de Cálculo (Lucro Real) | 880.000 | 900.000 | 1.000.000 |
CSLL – 9% | 79.200 | 81.000 | 90.000 |
IRPJ – 15% + Adicional 10% | 196.000 | 201.000 | 226.000 |
Lucro Líquido após os Impostos | 604.800 | 618.000 | 684.000 |
Distribuição dos lucros | 0 | 0 | 100.000 |
Lucro após a Distribuição (à disposição) | 538.800 | 618.000 | 584.000 |
Composição da Carga Tributária Anual |
Pró Labore | Juros TJLP | Distribuição Lucros |
IRRF – Ônus do Sócio – Tabela Progressiva | 27.500 | 0 | 0 |
IRRF sobre os Juros TJLP – 15% | 0 | 15.000 | 0 |
INSS Patronal – 20% | 20.000 | 0 | 0 |
CSLL – 9% | 79.200 | 81.000 | 90.000 |
IRPJ – 15% + Adicional 10% | 196.000 | 201.000 | 226.000 |
Total da Carga Tributária | 322.700 | 297.000 | 316.000 |
Economia tributária em comparação ao pagamento dos Juros TJLP | 25.700 | 19.000 |
O comparativo demonstra que a remuneração pela modalidade dos juros sobre o capital próprio traz uma maior economia tributária em detrimento das demais formas de remuneração.
Assim, podemos afirmar que, para as empresas tributadas pelo Lucro Real e que apurem base tributável, os juros sobre o capital próprio atualmente são a melhor forma de remuneração, pois conforme evidenciado, reduzem a carga tributária e não descapitalizam tanto a empresa, que acaba preservando uma maior parcela de lucro. Além disso, os juros sobre o capital próprio podem, sem perder a dedutibilidade da despesa, tanto ser efetivamente pagos como ser creditados e, nessa última hipótese, ficam à disposição para futura destinação, que pode ser tanto o pagamento propriamente dito quanto a capitalização do recurso na própria empresa.
Cumpre ressaltar que o Governo Federal, apesar das divergências travadas entre o Ministério da Economia e a Câmara dos Deputados, há algum tempo vem sinalizando para uma possível reforma tributária no Brasil, onde dois dos principais pontos seriam passar a tributar as distribuições de lucro e tornar indedutíveis as despesas com os juros sobre o capital próprio, sendo muito importante toda a atenção e cuidado frente a essas prováveis e significativas mudanças.
Nesse sentido, concluímos a importância do tema, que se torna mais relevante com a proximidade do final do exercício fiscal, sendo primordial que as empresas avaliem a melhor forma de remunerar seus sócios.
Evidentemente, cada empresa deve estudar a conveniência e a viabilidade de adoção de cada modalidade de remuneração, levando em conta suas particularidades. Para tanto, destacamos alguns pontos importantes de observação:
- Existência de lucro tributável na empresa no final do exercício;
- Situação tributária da fonte pagadora das remunerações;
- Situação tributária e residência fiscal dos sócios recebedores das remunerações;
- Regras e limites de distribuição determinados pela legislação;
- Análise do fluxo de caixa.
Nada melhor do que trabalhar com boas simulações, números sempre atualizados e planejamentos previamente estruturados para assegurar que a companhia produza bons resultados e que seus investidores sejam bem remunerados pelo trabalho e pelo capital que nela empregam.