Reflexos Contábeis da Pandemia – COVID 19

Por Pedro Cesar da Silva
CEO

 

 

Em resposta à pandemia, os governos vêm adotando medidas sanitárias que têm como consequência efeitos econômicos que afetam praticamente todas as cadeias produtivas.

Segundo definição do saudoso Prof. Hilário Franco:

  • Contabilidade é a ciência que estuda e prática, controla e interpreta os fatos ocorridos no patrimônio das entidades,
    mediante o registro, a demonstração expositiva e a revelação desses fatos, com o fim de oferecer informações sobre
    a composição do patrimônio, suas variações e o resultado econômico decorrente da gestão da riqueza econômica.

 

Dessa forma, as normas contábeis possuem regras que levam ao reconhecimento dos efeitos econômicos nas demonstrações contábeis.

Refletir adequadamente sobre os efeitos da pandemia nas demonstrações contábeis é uma responsabilidade primária da administração das empresas.

As normas de auditoria atribuem ao auditor avaliar se os julgamentos exercidos pela administração foram adequadamente refletidos nas demonstrações contábeis.

Os órgãos reguladores (CVM, Susep, Bacen etc.) devem orientar o mercado no sentido de mitigar os riscos sistêmicos ligados à falta de transparência e adequação das demonstrações contábeis.

Todas as empresas, de todos os portes, serão afetadas, sendo razoável afirmar que as pequenas empresas são mais vulneráveis, assim, refletir sobre os efeitos adequadamente nas demonstrações contábeis das pequenas empresas é uma ferramenta de gestão essencial para o empresário.

O aumento dos riscos e das incertezas devem ser considerados para fins dos julgamentos quanto à continuidade operacional das empresas. Na hipótese de impactos significativos, a ponto de colocar em dúvida o pressuposto da continuidade operacional, nos termos do item 3.9 da Estrutura Conceitual Básica — CPC 00 R2, as demonstrações contábeis devem ser ajustadas.

Este artigo não tem a pretensão de elencar todos os possíveis reflexos. Essa análise deve ser feita individualmente pelas empresas. Nosso objetivo é elencar aqueles que entendemos ser os mais comuns.

Preliminarmente, cabe destacar que em relação a aplicação do CPC 24 – Eventos Subsequentes, em relação às demonstrações contábeis de 31/12/2019, há uma visão majoritária de que os impactos da pandemia consistem em um evento subsequente não ajustável, respeitando-se as normas relativas à divulgação de riscos e incertezas.

Um efeito econômico da crise é a perda do valor dos ativos, seja considerando seu valor de venda, ou até mesmo pelo seu valor de uso, as demonstrações contábeis devem refletir essas perdas, por meio de procedimento que é conhecido como impairment de ativos.

Assim, os ativos devem estar registrados por valor que não exceda seu valor de recuperação, seja por venda, ou pelo uso. Como valor de uso entende-se o valor de uso o valor presente de fluxos de caixa futuros esperados que sejam gerados pelo ativo.

Nesse ponto reside uma grande dificuldade, neste momento de tantas incertezas, ou seja, como ter previsibilidade e confiabilidade nas projeções de fluxo de caixa futuros, adicionalmente, como determinar a taxa de desconto adequada.

As empresas devem avaliar ao fim de cada período de reporte, se há alguma indicação de que um ativo possa ter sofrido desvalorização. Independentemente de existir, ou não, qualquer indicação de redução ao valor recuperável, a entidade deve:

(a)  testar, no mínimo anualmente, a redução ao valor recuperável de um ativo intangível com vida útil indefinida ou de um ativo intangível ainda não disponível para uso, e

(b) testar, anualmente, o ágio pago por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) em combinação de negócios.

Adicionalmente, parece-nos claro que, para algumas atividades, ocorreão mundanças no valor residual e na vida útil dos ativos imobilizados. Esses aspectros devem ser revisados pelo menos ao final de cada exercício e, se as expectativas diferirem das estimativas anteriores, a mudança deve ser contabilizada como mudança de estimativa contábil, segundo o Pronunciamento Técnico CPC 23 — Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro.

Vamos passar a tratar de aspectos que envolve a valorização dos estoques das empresas.

Nesse sentido, outro reflexo da pandemia é o isolamento social com a consequente redução da produtividade das indústrias, surgindo, assim, uma ociosidade dos meios de produção. Dessa forma, a questão que se coloca é como os efeitos da ociosidade devem ser tratados nas demonstrações contábeis.

A questão crucial a respeito do registro dos custos com ociosidade é determinar se estes devem compor ou não o custo de produção dos estoques ou se devem ser registrados diretamente no resultado do exercício.

Para responder à questão colocada acima faz-se necessário preliminarmente verificar quais custos devem compor o estoque. Assim, segundo o item 10 do CPC 16 — Estoques, o custo do estoque é formado por “por todos os custos de aquisição e de transformação, bem como outros custos incorridos para trazer os estoques à sua condição e localização atuais”.

É cristalino, portanto, que os custos de ociosidade não devem compor o custo de formação do estoque, posto que em nada contribuiu, seja na aquisição ou transformação, seja para colocá-los em sua condição e localização final após a produção.

Nesse sentido, o item 13 do CPC 16 — Estoques indica que a alocação de custos fixos indiretos de fabricação às unidades produzidas deve ser baseada na capacidade normal de produção.

Adicionalmente, faz-se necessário avaliar a necessidade de reduzir o valor do custo dos estoques para o valor realizável líquido. Os estoques podem não ser recuperáveis se esses estoques estiverem danificados, tornarem-se total ou parcialmente obsoletos ou se os seus preços de venda tiverem diminuído. O custo dos estoques pode também não ser recuperável se os custos estimados de acabamento ou os custos estimados a serem incorridos para realizar a venda tiverem aumentado. Considera-se que a prática de reduzir o valor de custo dos estoques para o valor realizável líquido é consistente com o ponto de vista de que os ativos não devem ser escriturados por valores superiores ao que se espera por sua realização por venda ou uso.

A título ilustrativo, outros possíveis reflexos da Covid-19 nas demonstrações contábeis referem-se a rescisão dos créditos fiscais diretos (IRPJ e CSLL diferidos); passivos atuariais em planos de previdência com benefício definido; provisão para perdas em recebíveis e reconhecimento dos direitos sobre contratos de arrendamento mercantil.

Por fim, reforçamos a necessidade de que os administradores e contadores fiquem atentos para identificar os reflexos da pandemia em suas atividades e, por consequência, levem às demonstrações contábeis esses reflexos, possibilitando que estas cumpram seu papel no apoio à gestão e ao mercado em geral na tomada de decisões relevantes.

 

 

 

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