Por Pedro César da Silva
CEO
Athros Auditoria e Consultoria
Anualmente, a CVM, por meio da Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria (SNC) e da Superintendência de Relações com Empresas (SEP), emite um ofício circular visando orientar a elaboração das demonstrações contábeis. Segundo a CVM, os tópicos tratados têm origem nos desvios identificados e informações obtidas pelas áreas técnicas da CVM acerca de operações que estão sendo estruturadas, ao longo do exercício social, para os quais essas áreas entendem oportuno alertar o mercado sobre o procedimento considerado, como regra, mais adequado.
Neste ano, foi publicado o ofício circular/CVM/SNC/SEP n 01/2021, tratando dos tópicos relativos às demonstrações financeiras referentes ao ano calendário encerrado em 31/12/2020.
O referido dispositivo, inicialmente, preocupou-se em determinar quais normas de ofícios circulares de anos anteriores continuam válidas. Assim, foram feitos comentários específicos para os ofícios circulares editados desde 2016.
Adicionalmente, foi dado destaque para a Resolução CVM 2/2020, que revogou atos normativos e outros atos sem caráter normativo, como parte do processo de revisão e a consolidação dos atos normativos.
Quanto aos aspectos específicos contemplados no ofício circular 01/2021, os quais serão brevemente comentados a seguir, temos: Cálculo e Evidenciação do EBITDA; Análise de Sensibilidade-CPC 40; Transações entre Partes Relacionadas; Reflexos Contábeis-Covid 19; Créditos Fiscais e Operações de Forfait/Risco Sacado.
Cálculo e Evidenciação do EBITDA:
O No tocante ao Cálculo e Evidenciação do EBITDA (no Brasil conhecido como LAJIDA) o ponto central da preocupação da CVM diz respeito à utilização apenas de números extraídos das próprias demonstrações contábeis, em especial da Demonstração do Resultado do Exercício (DRE).
Assim, de início, destaca-se que o indicador, aplicando-se seu conceito básico, não exclui, quaisquer itens não recorrentes, não operacionais e de operações descontinuadas.
Ou seja, o primeiro e mais simples conceito de EBITDA diz respeito ao montante dado pela adição, ao resultado líquido do período, tão somente dos tributos sobre o lucro, das despesas financeiras líquidas das receitas financeiras e das depreciações, amortizações e exaustões.
No entanto, não podemos deixar de considerar a figura do potencial de geração bruta de recursos com ajuste de alguns itens que a administração entende não contribuir para essa geração bruta de recursos.
Assim, é prática comum no mercado de capitais a divulgação, pelas companhias abertas, de um indicador que contempla ajustes adicionais ao resultado do período a fim de gerar informação quanto ao seu potencial de geração bruta futura de caixa, por exemplo, itens não recorrentes.
Esse procedimento é aceitável desde que sejam feitas todas as divulgações aplicáveis e que seja divulgado em conjunto com EDITDA com a aplicação do conceito básico e identificado como EBTIDA ajustado.
Análise de Sensibilidade-CPC 40 (R1):
Quanto a Análise de Sensibilidade, a CVM chama a atenção para o disposto no CPC 40 (R1), aprovado pela Deliberação CVM 604/09, o qual possui uma seção dedicada à divulgação quantitativa e qualitativa de riscos relacionados a instrumentos financeiros.
Destaca-se a necessidade de observar se os dados quantitativos divulgados ao final do período não forem representativos da exposição ao risco da empresa durante o período, devem ser oferecidas informações adicionais que sejam representativas.
Com relação a análise de sensibilidade propriamente dita, devem ser observadas as alternativas que o CPC 40 (41) possibilita para fins de divulgação.
Transações entre Partes Relacionadas:
Outro ponto de preocupação da CVM diz respeito à divulgação de transações entre partes relacionadas. A entidade reforça a necessidade de divulgar as condições (prazos e taxas) em contratos entre partes relacionadas e as características das partes relacionadas envolvidas.
Nesse sentido, o CPC 05 (R1) indica que para quaisquer transações entre partes relacionadas é necessária a divulgação das condições em que as mesmas transações foram efetuadas, em especial tratando-se de transações atípicas.
Reflexos Contábeis-Covid 19:
Naturalmente, a CVM também manifesta preocupação quanto aos reflexos contábeis da Covid e aponta alguns pontos específicos: ociosidade na produção; uso de nomenclaturas genéricas, “Going Concern”; incertezas e julgamentos relevantes.
Um dos reflexos da pandemia, foi a redução forçada do nível de atividade econômica, assim, é provável que muitas indústrias tenham adotado medidas temporárias para reduzir ou até paralisar a produção.
Nesse contexto, a CVM lembra sobre o tratamento contábil relacionado aos custos fixos, cuja parcela relacionada com a ociosidade deve ser debitada diretamente no resultado do exercício e não alocados ao custo dos produtos.
O uso de nomenclaturas genéricas, por exemplo, perdas extraordinárias, deve ser evitado pelas empresas. Ademais, muitas vezes, esse tipo de nomenclatura visa a ocultar outro expediente conhecido como “big bath”, pelo qual a administração da empresa aproveita que o desempenho ruim já é esperado em função da pandemia para efetuar ajustes que irão depreciar ainda mais o resultado atual, visando apresentar resultado melhor em períodos subsequentes.
Ademais, a CVM chama a atenção para o pressuposto da continuidade (“going concern assumption”) e para incertezas e julgamentos relevantes.
Nesse ponto, a preocupação é que os impactos da pandemia sejam tão relevantes que possam até mesmo afetar o pressuposto da continuidade dos negócios, base sobre a qual se fundamenta a elaboração das demonstrações contábeis.
Créditos Fiscais:
O momento do reconhecimento dos créditos fiscais certamente é um tópico relevante tanto pelos aspectos considerando os aspectos de natureza contábil quanto pelos reflexos tributários.
A CMV chama a atenção para os créditos decorrentes da ampliação do conceito de insumo para fins de determinação do PIS e Cofins não cumulativo e créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins.
Sobre o conceito de insumo, o STJ em abril de 2018 definiu a necessidade de observar os critérios de essencialidade ou da relevância para fins de determinação de créditos de PIS e Cofins.
Assim, cada contribuinte deverá efetuar de acordo com sua realidade a aferição da essencialidade ou da relevância.
Poderão surgir conflitos entre os entendimentos dos contribuintes e das autoridades fiscais.
A CVM orienta que apenas devem ser reconhecidos como crédito fiscal no ativo aqueles créditos que sejam dotados de certeza e que não dependam de atos de terceiros para a entidade controlar os benefícios econômicos a serem por ele originados, ou seja, aplicando-se o disposto no CPC 25.
Assim, dois elementos seriam essenciais para o reconhecimento do crédito, quais sejam: decisões judiciais em que a empresa seja parte ou outros elementos e mensuração confiável do valor.
Entendemos que, além das decisões judiciais, devem ser consideradas como outros elementos a jurisprudência administrativa e/ou judicial.
Com relação aos créditos de PIS e Cofins decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo dessas contribuições, a CVM reforça comentários incluídos em ofícios circulares de anos anteriores.
Na prática, há dois comportamentos principais que foram observados pelas empresas ao longo do tempo. Algumas excluíram o ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins e outras não.
O primeiro grupo de empresas, caso tenha constituído provisão agora, está diante da necessidade de avaliar sua reversão integral ou parcial e o segundo grupo está diante do dilema de reconhecer ou não um ativo.
Tanto para uma situação quanto para outra, a mensuração confiável é um pressuposto.
Ademais, cabe lembrar que ativos contingentes geralmente não são reconhecidos. Para que o ativo não seja considerado contingente, faz-se necessário que a entrada de benefícios econômicos seja praticamente certa.
A existência de decisão judicial transitada em julgado torna o benefício econômico praticamente certo e, em conjunto com a mensuração confiável, torna possível o reconhecimento do crédito fiscal.
Finalmente a CVM considera vital a ampliação da transparência na divulgação das notas explicativas, assim, recomenda que em nota explicativa, seja divulgado de modo amplo e inequívoco, todas as premissas que justificaram o reconhecimento do crédito fiscal ou a reversão da provisão.
Operações de Forfait/Risco Sacado:
A preocupação da CVM quanto ao tratamento contábil aplicável para essas operações já fez parte de ofícios circulares de anos anteriores.
Por intermédio dessas operações, a empresa compradora contrata uma instituição financeira e monta uma operação de antecipação de pagamento aos seus fornecedores. Formalmente, a companhia vendedora (fornecedor) emite uma fatura que contempla o prazo a ser financiado pelo banco.
Os aspectos contábeis que as empresas não estão observando são basicamente: (i) a vendedora não reconhece em sua contabilidade a venda pelo valor presente; (ii) a compradora não reconhece um passivo oneroso junto ao banco, mas o passivo de funcionamento “fornecedores”; e (iii) a compradora não reconhece em sua contabilidade um ajuste a valor presente sobre o passivo.
A companhia compradora muitas vezes tem a intenção de fugir de “covenants” contratuais (índice de cobertura de juros ou de endividamento oneroso, por exemplo).
Mais uma vez, a CVM orienta os auditores para dedicar especial atenção para essas operações, especialmente quando envolverem companhias com elevados índices de endividamento.
Concluindo, sem dúvida, essas manifestações do órgão regulador têm constituído uma ferramenta muito útil para o mercado, visando a padronização de procedimentos contábeis e a melhoria da qualidade das informações contábeis divulgadas ao mercado.
Ademais, entendemos que os pontos destacados podem servir de orientação inclusive para empresas de capital fechado que são obrigadas ou optam pela divulgação das demonstrações contábeis, pois todos têm como objetivo primordial a melhoria da transparência.