Por Tainah Batista
Advogada
O Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) foi criado em 1992, através do Decreto nº 660/92, tendo por objetivo integrar as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, mediante fluxo único, computadorizado, de informações.
Em 1998, foi promulgada a Lei nº 9.716/1998, que instituiu a taxa de utilização do Siscomex nos valores a seguir: R$ 30,00, por Declaração de Importação – DI, e R$ 10,00, para cada adição de mercadorias à Declaração de Importação.
De acordo com o parágrafo 2º do artigo 3º da referida lei, os valores poderiam ser reajustados anualmente, mediante ato do Ministério da Fazenda, desde que em conformidade com a variação dos custos de operação e dos investimentos no Siscomex.
Valendo-se de tal dispositivo, a Ministério da Fazenda editou, em 2011, a Portaria MF nº 257/2011, aumentando exacerbadamente as taxas devidas para o uso do sistema, sendo a taxa de R$ 30,00 majorada para R$ 185,00 por DI e a taxa de R$ 10,00 majorada para R$ 29,50 para cada adição de mercadorias à DI.
O aumento de mais de 500% da taxa gerou imediata indignação dos contribuintes, notadamente diante da ausência de correlação entre o volume da majoração e a comprovação de efetiva variação de custos de operação e investimentos que justificassem sua aplicação.
Para amparar a edição da Portaria MF nº 257/2011, a Receita Federal emitiu a Nota Técnica Conjunta Cotec/Copol/Coana nº 03/2011, alegando que a majoração da taxa Siscomex seria necessária em razão do aumento do volume de infraestrutura tecnológica exigida pela manutenção do sistema. Os argumentos e números apresentados, todavia, não convenceram.
Como consequência, os contribuintes passaram a buscar no Judiciário uma forma de afastar a majoração das taxas do Siscomex imposta pela Portaria MF nº 257/2011.
O principal argumento utilizado pelos contribuintes era de que o aumento da taxa, por meio de ato do Poder Executivo, constituiria violação ao princípio da legalidade, assegurado pelo art. 150, inciso I da Constituição Federal, o qual veda a majoração de tributos sem lei que o estabeleça.
Finalmente, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, tendo ambas as turmas de tal Corte consolidado entendimento no sentido da inconstitucionalidade do aumento da Taxa Siscomex promovida pela Portaria MF nº 257/2011. Em tais julgamentos, no entanto, o STF ressalvou a possibilidade de reajuste das taxas pelo Poder Executivo dentro dos limites dos índices oficiais de correção monetária.
Nesse sentido, trazemos recentes decisões proferidas pelo STF sobre o tema:
- Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Tributário. 3. Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX). 4. A jurisprudência desta Corte consagrou entendimento no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da majoração da Taxa de Utilização do SISCOMEX por ato normativo infralegal, mas sem contudo impedir que o Poder Executivo atualize os valores fixados em lei para a referida taxa em percentual não superior aos índices oficiais de correção monetária. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Negado provimento ao agravo regimental, sem majoração da verba honorária, tendo em vista se tratar de mandado de segurança. (AgR no RE nº 1.226.823/RS, 2ª Turma, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe 09/12/2019)
- AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE UTILIZAÇÃO DO SISTEMA INTEGRADO DE COMÉRCIO EXTERIOR – SISCOMEX. LEI 9.716/1998. CONSTITUCIONALIDADE. PORTARIA MF 257/2011. AUMENTO POR ATO INFRALEGAL. IMPOSSIBILIDADE. REAJUSTE POR ÍNDICES OFICIAIS DE CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. RECONHECIMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECOLHIDOS. DEFINIÇÃO DE ÍNDICES E PERÍODO DE CORREÇÃO E DA FORMA DE RESTITUIÇÃO OU COMPENSAÇÃO. ANÁLISE DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. INCURCIONAMENTO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (ED no AgR no RE nº 1.205.443, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 19/09/2019)
Tal entendimento vem sendo adotado pelos Tribunais Regionais Federais, conforme se denota de recente acórdão proferido pelo TRF da 3ª Região, o qual jurisdiciona os contribuintes do estado de São Paulo:
ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. TAXA SISCOMEX. INCONSTITUCIONALIDADE DA MAJORAÇÃO.
- A Taxa de Utilização do SISCOMEX foi instituída por meio da Lei n.º 9.716/98.
- O entendimento do STF foi o de que viola o princípio da legalidade a possibilidade de reajuste anual, por ato do Ministro da Fazenda, ‘considerando a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX’, por se tratar de expressão aberta e pouco clara. Art. 3º, §2º, Lei n.º 9.716/98.
- Assim, a questão da inconstitucionalidade da majoração da Taxa SISCOMEX restou pacificada no STF e nesta Terceira Turma, que reviu sua posição e passou a adotar a do STF. Precedentes.
- Quanto à compensação dos valores recolhidos indevidamente, esta deverá ser realizada nos termos do artigo 74 da Lei n.º 9.430/96 com as modificações perpetradas pela Lei n.º 10.637/02, uma vez que era essa a legislação vigente na data do ajuizamento da presente demanda. REsp n.º 1137738/SP.
- É necessário o trânsito em julgado da decisão para que se proceda à compensação ou repetição dos valores recolhidos indevidamente, nos termos do artigo 170-A, do CTN, sendo aplicável a taxa SELIC como índice de correção monetária, desde a data do pagamento indevido. REsp n.º 1112524/DF; AgRg no AgRg no AREsp n.º 536.348.
- Recurso de apelação provido. (AC nº 0008571-16.2015.4.03.6110, 3ª Turma, Relator Des. Fed. Nelton dos Santos, DJe 10/03/2020)
Diante das reiteradas derrotas no Judiciário, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional emitiu a Nota SEI nº 73/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF, dispensando os procuradores fazendários de contestar e recorrer em processos relativos à inconstitucionalidade da majoração da taxa do Siscomex promovida pela Portaria MF nº 257/2011.
Assim, os contribuintes que se submeteram ao recolhimento da taxa de forma majorada têm grande probabilidade de obter, por intermédio do Poder Judiciário, não apenas o reconhecimento do direito de recolher as taxas de uso do Siscomex sem o inconstitucional aumento promovido pela Portaria MF nº 257/2011, como ainda de reaver os valores indevidamente recolhidos a tal título nos últimos cinco anos, corrigidos pela taxa Selic.