Douglas Rogério Campanini
Sócio Diretor Consultoria – Indiretos
Athros Auditoria e Consultoria
Não é novidade para os leitores que os Estados, ao final de cada ano, sempre buscam alternativas de incrementar os cofres públicos para fazer frente às despesas assumidas.
Neste sentido, os contribuintes sempre ficam atentos a possíveis mudanças na legislação de forma a impactar seus negócios, em especial pelo fato de se debruçarem sobre os planos para o ano seguinte de forma a minimamente planejar o desenvolvimento dos negócios.
Historicamente nos deparamos com possibilidades de parcelamentos especiais, que apresentam atrativas oportunidades para liquidação de débitos tributários, mas também com situações em que os Estados editam legislações para que, observado o princípio pátrio da anterioridade tributária, possam produzir efeitos no ano seguinte ao da publicação.
Este ano não foi diferente, mesmo sendo um ano totalmente “atípico” em razão da Covid-19!
Por meio do Projeto de Lei 529/20 o Governador do Estado de São Paulo, João Dória, argumentando a necessidade de adoção de medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas pelo fato da pandemia ter gerado aumento significativo de despesas ao passo que a arrecadação de tributos foi reduzida, submeteu à Assembleia Legislativa referido projeto para, dentre outras questões, reduzir benefícios fiscais, equiparando a “benefício fiscal” a fixação de alíquota em patamar inferior a 18%.
Este projeto, após aprovado pela Assembleia Legislativa, foi convertido na Lei 17.293 que, acompanhada dos Decretos Estaduais 65.253, 65.254 e 65.255, todos de outubro/20, trouxe inúmeras mudanças que seguramente impactarão em aumento da carga tributária para janeiro de 2021.
Em resumo, referidas normas acabaram por acarretar aumento do ICMS com a adoção das seguintes regras:Aumento da alíquota interna de 7% para 9,4% (ovos, preservativos);
- Aumento da alíquota interna de 12% para 13,3% (carnes in natura, fornecimento de alimentação, máquinas e equipamentos, seringas e agulhas descartáveis, medicamentos genéricos, dentre outros);
- Instituição da regra de isenção parcial, ou seja, operações que eram 100% isentas passam a ser parcialmente tributadas, dependendo da alíquota interna do ICMS;
- Como exemplo, se o produto se sujeitar a alíquota interna de 18%, 23% da operação passará a ser tributada, representando carta tributária de 4,14% de ICMS, sendo que antes a carga tributária era zero (produtos hortifrutigranjeiros, como exemplo);
- Já para produtos sujeitos a alíquota interna de 12%, 22% da operação passará a ser tributada, representando carta tributária de 2,64% de ICMS;
- Redução do percentual relativo à redução de base de cálculo para algumas situações específicas (queijos, suco de laranja, insumos agropecuários, carnes, refeições coletivas, veículos usados; dentre outros); e
- Inclusão, na legislação do ICMS do Estado de SP, de previsão expressa para exigência de complemento do ICMS ST caso o contribuinte realize operações com consumidores finais por preço superior ao adotado pelo substituto tributário para a retenção do ICMS ST.
Analisando brevemente o resumo alhures, constata-se que setores como o de saúde, alimentos e agropecuários serão diretamente atingidos, o que ocasionará aumento no preço dos produtos e, por conseguinte, assunção pelos consumidores finais que sentirão duramente mais este impacto, além dos efeitos nefastos já trazidos pela COVID-19.
Não obstante, o impacto refletido nesta situação também será sentido por empresas que adquirem produtos de outros Estados com destino ao uso/consumo e ativo imobilizado, pois este aumento também afetará o valor devido a título de diferencial de alíquotas de ICMS.
De acordo com os Decretos já mencionados, tais aumentos prevalecerão pelo período de 2 (dois) anos, ou seja, até janeiro/2023.
Ocorre que algumas destas disposições, em especial a figura do aumento das alíquotas, será tema que não escapará da análise do Poder Judiciário.
Isto porque o aumento das alíquotas retro mencionadas foi realizado por meio de Decreto Estadual, sem a consequente edição de lei para tanto, afrontando cabalmente o princípio da legalidade em matéria tributária previsto no inciso I do artigo 150 da Carta Magna/88.
Para alguns tributos a própria Constituição Federal previu, de forma expressa[1], que é facultado ao Poder Executivo a alteração de alíquotas por meio de atos por ele emanados, tendo como exemplo o IPI, cuja alíquota pode ser alterada por meio de Decreto.
Por todo o exposto, já não nos basta conviver com algumas inseguranças no meio jurídico com temas que ainda não estão resolvidos (vide exemplo do valor a ser excluído de ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS) e com certeza adentraremos ao próximo ano abarrotando novamente o Poder Judiciário de forma que prevaleça o que se busca no sistema tributário brasileiro – justiça e segurança jurídica!
[1] Art. 153, §1º da CF/88.