Doações de quotas na mira do Fisco Estadual

Por Tainah Mari Amorim Batista

Advogada

Godeghese e Silva Advogados Associados

De olho no aumento da arrecadação, o Estado de São Paulo vem intensificando a fiscalização de operações de doações, em especial aquelas que envolvem quotas de empresas. Encontram-se em andamento na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo – SEFAZ/SP diversas operações destinadas exclusivamente à fiscalização do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD:

  1. Operação Cruzamento: tem como objeto as transmissões de veículos;
  2. Operação Donatio: tem como objeto doações declaradas à Receita Federal;
  3. Operação Vaisyas: tem como objeto doações de quotas/ações de empresas declaradas à Receita Estadual Paulista;
  4. Operação Mendacium: tem como objeto declarações de dispensa judicial do pagamentos de juros e multas à Receita Estadual Paulista;
  5. Operação Loki: tem como objeto potenciais simulações de compra e venda de quotas para acobertar doações; e
  6. Operação Calabar: tem como objeto transmissão causa mortis no âmbito extrajudicial.

A operação Vaisyas, que versa especificamente sobre a doação de quotas e ações, está em curso desde 2021. Como resultado, alguns empresários já receberam correspondências emitidas pela SEFAZ-SP, sugerindo uma “revisão espontânea” de doações realizadas no passado ou até solicitando informações e documentos para embasar uma eventual fiscalização futura. Além disso, em 2022, a SEFAZ-SP inaugurou uma Delegacia Especializada de ITCMD, que concentra a análise de todas as operações relativas a tal imposto no Estado.

É perceptível, portanto, um progressivo enrijecimento da SEFAZ-SP na fiscalização do ITCMD, especialmente no período pós-pandemia, que impactou negativamente os cofres fazendários com a queda de arrecadação do ICMS.

Tal cenário é um alerta para os contribuintes que se valem de planejamentos sucessórios e patrimoniais. Nesse tipo de planejamento, há a concentração dos bens (móveis e imóveis) de uma pessoa física em uma pessoa jurídica (normalmente chamada de “Holding”), via integralização de capital social, seguida da doação das respectivas quotas aos herdeiros, geralmente com reserva de usufruto e outras cláusulas protetivas.

Na prática, este tipo de planejamento pode gerar uma menor carga tributária, na medida em que o art. 23 da Lei nº 9.249/95 autoriza que a transferência de imóveis em integralização de capital de empresa seja feita pelo valor de declaração, o qual, na maioria das vezes, é menor do que o valor venal ou o valor de mercado. Por seu turno, a legislação do Estado de São Paulo, estabelece que, para doação de quotas não negociadas em bolsa de valores, a base de cálculo do ITCMD é o valor patrimonial (art. 14, §3º, Lei Estadual nº 10.705/2000):

Considerando que a empresa não possua outras receitas relevantes, seu patrimônio líquido será muito próximo ao valor de contabilização de seus ativos, ensejando a apuração de um ITCMD menor se comparado, por exemplo, ao imposto que seria devido na transmissão direta dos imóveis para os herdeiros (cuja base de cálculo normalmente é o valor venal ou de referência).

É fato, no entanto, que a própria legislação do Estado de São Paulo autoriza o uso do valor patrimonial como base de cálculo para fins de doação de quotas/ações não negociadas em bolsa de valores.

Ocorre que, recentemente, uma das turmas que compõem o Superior Tribunal de Justiça proferiu um acórdão afirmando que, quando há doação de quotas, o Estado pode exigir que o ITCMD seja apurado sobre o valor de mercado dos bens que compõem o patrimônio da empresa, especialmente bens imóveis. Trata-se de decisão proferida em um caso isolado, envolvendo o Estado do Mato Grosso (Recurso Especial nº 2.139.412), porém, despertou atenção.

Aproveitando esse ensejo, a SEFAZ-SP emitiu recentemente uma solução de consulta (Resposta à Consulta nº 31008, de 04 de abril de 2025), consignando que o valor patrimonial da empresa deve corresponder ao valor de mercado, inclusive mediante reavaliação dos seus ativos.

Tal imposição, todavia, é totalmente ilegal e inconstitucional, na medida em que, como visto, a Lei do Estado de São Paulo autoriza expressamente que a base de cálculo do ITCMD, em caso de doação de quotas, seja o valor patrimonial (contábil). Dessa forma, eventual exigência do ITCMD sobre o valor de mercado das quotas demandaria alteração da própria legislação estadual, não podendo ser imposta arbitrariamente pela SEFAZ-SP.

Nesse sentido, há diversas – e recentes – decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo consignando que o ITCMD deve ser apurado pelo valor patrimonial contábil em caso de doação de quotas – como determina a legislação paulista-, e não pelo valor de mercado (vide AC nº 1001817-57.2024.8.26.0482, AC nº 1013127-23.2023.8.26.0053, 1003037-94.2022.8.26.0568, 1021630-96.2023.8.26.0032).

Somado a tais fatos, encontra-se em tramitação no Estado de São Paulo o Projeto de Lei nº 07/2024, que visa estabelecer alíquotas progressivas de ITCMD, que poderão chegar a 8% (o dobro da alíquota atual).

Nesse cenário, a despeito das práticas invasivas do Fisco paulista, a tendência é de que o adiamento do planejamento patrimonial/sucessório importe em maior carga tributária aos contribuintes, especialmente se aprovado o aumento da alíquota do ITCMD.

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