Por Danila Maria Bernardi Aranon
Consultoria Tributária
Há algum tempo que o Brasil vive na expectativa de uma reforma tributária, para que a carga tributária e as obrigações fiscais a serem cumpridas sejam reduzidas, para que o foco dos empresários possa se voltar para a melhoria da produtividade de seus negócios e, a contribuição, para a retomada do crescimento e desenvolvimento do País.
Atualmente, temos três propostas de reforma tributária em discussão. A PEC 45 do Deputado Baleia Rossi, que tramita na Câmara; a PEC 110/2019, elaborada em conjunto pelos parlamentares do Senado; e a Proposta do Governo, sobre a qual há apenas rumores. A notícia mais recente que temos sobre o assunto é de que o texto base já está pronto para ser apresentado.
O ponto principal das propostas, que vem atraindo as discussões e sendo o foco momentâneo e, ao que parece, um dos pontos de consenso, é a unificação de impostos visando à simplificação do sistema tributário nacional.
Todavia, outro ponto que parece ser consensual, pois está presente em todas as propostas, é a previsão para o retorno da incidência do imposto de renda sobre os valores distribuídos a título de lucros e dividendos. Há quem diga que nenhum texto passará para sanção presidencial se não houver aludida disposição.
Não obstante os projetos de reforma tributária, há ainda o projeto de Lei (PL) nº 2015/2019, o qual propõe alteração direta no texto do artigo 10 da Lei nº 9.249/95, para sujeitar a distribuição de lucro e dividendos à incidência de imposto de renda.
O PL supracitado foi pautado na audiência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado do dia 24/09 para análise, porém a audiência foi adiada.
Historicamente, os lucros e dividendos distribuídos foram tributados desde a criação do imposto sobre a renda em 1926, até o ano de 1995. A última tributação incidente sobre a renda ora discutida foi de 15% exclusivo de fonte, ou seja, sobre o valor distribuído havia a retenção de 15%, e esta renda não era mais oferecida à tributação.
Esta realidade mudou com a publicação do artigo 10 da Lei nº 9.249/95, in verbis:
Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
Sendo assim, atualmente, sobre todo o valor que é pago ou creditado aos sócios pessoas físicas ou jurídicas, não há incidência de impostos.
Importante destacar, resumidamente, que o lucro disponível para distribuição aos sócios é a “sobra” do resultado da empresa depois da incidência de todos os impostos, taxas e contribuições regulamentados para cada atividade.
Salienta-se que as propostas-base, tanto da Câmara como do Senado, não preveem a tributação sobre os lucros e dividendos. Esta premissa será votada por conta de emendas ao texto base.
A PEC 45 possui quatro emendas que tratam sobre o assunto, e a PEC 110 apenas uma. Ao que tudo indica, a proposta do governo já englobará esta possibilidade, porém, como dissemos, é apenas presunção.
Todas as emendas apresentadas propõem alteração ao artigo 153 da Constituição Federal, o qual determina a competência da criação de impostos, e sobre qual base é permitida a incidência tributária.
Como é alteração ao texto da Carta Magna, não há previsão da sistemática desta tributação, porém, todas as emendas defendem a progressividade, ou seja, equipararia a tributação das demais rendas auferidas por pessoas físicas.
Destarte, a maioria das emendas também impõe a tributação para distribuição de lucros aos acionistas pessoa jurídica. O PL 2015/2019, que altera lei ordinária e, portanto, há disposição de como proceder, dispõe que seria um incremento à receita tributável.
Pois bem. Primordial se faz uma análise das justificativas trazidas à luz por parlamentares para o retorno da tributação ora discorrida, e os impactos reais que referida tributação produzirá.
A emenda 13 à proposta do Senado (PEC 110) propõe a supressão da incidência do IPI ou a sua inclusão no Imposto sobre Bens e Serviços, e alega que a tributação do IR sobre lucros e dividendos compensaria a perda na arrecadação.
Além da emenda retro descrita, a Emenda 72 à PEC 45, apresentada na Câmara, inclui a tributação, porém, prevê a compensação do aumento da arrecadação com a redução progressiva das alíquotas do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Já nas demais emendas apresentadas na Câmara (EMC 43, 52 e 93), percebem-se justificativas mais infundadas diante dos aspectos econômicos e com fulcro em uma visão com viés socialista, ao mencionar o combate à desigualdade social, o não “favorecimento dos acionistas em detrimento aos trabalhadores”, além de defenderem a progressividade de tributação e a tributação dos mais ricos.
Alegam a cobrança excessiva de imposto sobre o consumo e pouco sobre patrimônio e renda.
Pela singela leitura das justificativas para o retorno da tributação dos lucros e dividendos, percebemos que a única intenção é “penalizar” os mais ricos, como se somente pessoas de classe alta recebessem lucros e dividendos. Esquecem que o pequeno e médio empresário também recebe parte de sua renda em forma de distribuição de lucros.
Todavia, em um cálculo simples, sem considerações mais complexas da legislação, podemos entender um pouco melhor o impacto desta tributação.
Para demonstrar o efeito que a tributação sobre lucros ocasionará nos recursos disponíveis para o consumo, com a transferência de recursos para os cofres da União, sem que concomitantemente seja prevista uma compensação desta tributação nos impostos das empresas, e admitindo que o aumento do custo tributário não seria repassado aos consumidores através do aumento do preço dos itens de consumo, elaboramos um cálculo comparativo do ônus tributário direto de um trabalhador no regime CLT, que recebe R$6.500,00, e este mesmo trabalhador constituindo uma empresa de serviços. Vejamos:
Descrição | Pessoa Física | Pessoa Jurídica |
Salário/Receita de Serviços | 6.500,00 | 6.500,00 |
INSS descontado – 11% (limitado ao teto de R$5.836,45) | 642,01 | – |
IRRF – tabela progressiva | 918,14 | – |
Impostos pagos na PJ – Presumido – 19,53% [1] | – | 1.269,45 |
Valor disponível para consumo atualmente | 4.939,85 | 5.230,55 |
Tributação sobre dividendo – tabela progressiva | – | 569,04 |
Valor disponível para consumo – Propostas | 4.939,85 | 4.661,51 |
Diminuição do poder de compra | 5,97% |
Neste comparativo, é nítido que, além de gerar um aumento na arrecadação pela tributação do dividendo, o poder de compra será menor, consequentemente diminui o consumo, afetando o crescimento econômico.
Se o reflexo direto já não é o bastante para que nossos governantes repensem o retorno desta tributação ou o formato da mesma, a tributação dos lucros certamente cerceará o interesse de investidores no Brasil, sejam eles estrangeiros ou pátrios, o que novamente afetará a alavancagem econômica do País, como se a instabilidade do cenário político já não fosse suficiente para esta derrocada.
Recentemente, o ex-secretário da Receita Federal, Sr. Everardo Maciel, concedeu uma entrevista ao Jornal Valor Econômico [2]. Foi em sua gestão a promulgação da Lei que isentou a tributação sobre os lucros e dividendos.
O ex-secretário afirma que a tributação dos lucros reduz a liberdade econômica, pois hoje o empresário pode reinvestir, investir em outro negócio ou consumir. Afirma ainda que, com a isenção supracitada, houve uma queda na informalidade e na sonegação, e que a volta da tributação traria a figura da distribuição disfarçada de lucro.
Por óbvio que o tema é complexo, e que nesse momento apontamos um aspecto específico, o qual deve ser considerado dentro de um conjunto amplo de medidas, e não afasta a inquestionável necessidade de aprovação da reforma tributária. Todavia, este é um assunto que certamente deve ser melhor avaliado, pois não é a forma correta de reduzir a desigualdade social.
Por fim, resta aos empresários, a difícil missão de contribuir para o crescimento do país, gerando empregos, pagando impostos, investindo em novas tecnologias, à mercê da ganância que se mostra alheia ao desenvolvimento.
[1] O percentual correspondente ao somatório dos seguintes impostos: 25% IRPJ e 9% CSLL sobre a base presumida de 32%, PIS e COFINS 3,65% e ISS 5%.
[2] Jornal Valor Econômico do dia 18 de setembro de 2019 – pág. A12 – Caderno Especial