Por Pedro Cesar da Silva
Diretor da Athros
Em novembro de 2016, foi aprovado o Pronunciamento Técnico CPC 47, o qual dispõe sobre o reconhecimento da receita e está correlacionado à norma Internacional de Contabilidade – IFRS 15.
O CPC 47 consolidou várias normas que tratam do reconhecimento de receita, ocasionando a revogação das normas originárias (CPC 17, CPC 30, ICPC 02, ICPC 11), e sua aplicação é obrigatória nas demonstrações contábeis iniciadas a partir de 1º de janeiro de 2018.
Evidente que cada empresa terá impactos diferenciados decorrentes da adoção do aludido CPC, sendo que em alguns casos o efeito será mínimo ou inexistente, e em outros o impacto será relevante, como por exemplo para as empresas de telecomunicações, cujos contratos envolvem, muitas vezes, o fornecimento conjugado de mercadoria e serviços.
De antemão, é possível afirmar que as modificações introduzidas pelo CPC 47 não terão implicação na apuração dos tributos.
A afirmação acima se baseia no teor do Art. 58 da Lei 12.973/14, o qual determina que “A modificação ou a adoção de métodos e critérios contábeis, por meio de atos administrativos emitidos com base em competência atribuída em lei comercial, que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria.”
Por sua vez, o parágrafo único do referido artigo dispõe que caberá à RFB identificar os atos administrativos e dispor sobre os procedimentos para anular os efeitos destes atos sobre a apuração dos tributos federais.
Neste prisma, visando cumprir a determinação acima, a RFB editou a IN 1.771/2017, que acrescenta o Anexo IV à IN 1.753/2017.
Os itens 1 e 2 do referido anexo identificam, dentre os procedimentos previstos no CPC 47, aqueles que representam modificação ou adoção de novos métodos ou critérios contábeis, ou que divergem da legislação tributária. Vejamos:
“ 1. Os procedimentos contábeis relacionados abaixo, caso adotados pela pessoa jurídica, contemplam modificação ou adoção de novos métodos ou critérios contábeis:
I – o tratamento conferido às modificações contratuais (item 21 do CPC 47);
II – o reconhecimento de passivos em razão de obrigações contratuais relativas a:
a) garantias, exceto as contratadas com empresas de seguros e as contabilizadas como provisões (itens B30, B31 e B32 do CPC 47);
b) direitos não exercidos (item B46 do CPC 47); e
c) serviços de custódia, na hipótese de vendas para entrega futura (item B82 do CPC 47);
III – a aplicação dos critérios para a determinação do preço de transação em razão do reconhecimento de (itens 46, 47 e 48 do CPC 47):
a) contraprestações variáveis, nas hipóteses não previstas nos incisos I e II (itens 50 e 56 do CPC 47);
b) reavaliações da contraprestação variável (item 59 do CPC 47); e
c) contraprestações pagas ou a pagar (itens 70 a 72 do CPC 47); e
IV – a aplicação dos critérios para a alocação do preço de transação às obrigações de desempenho, nos casos não previstos nos incisos I e II (itens 73 e 74 do CPC 47).
2. Os procedimentos contábeis relacionados abaixo, caso adotados pela pessoa jurídica, contemplam métodos ou critérios contábeis que divergem da legislação tributária:
I – a aplicação do critério relativo à possibilidade de a entidade não receber a contraprestação a que tem direito na identificação do contrato (item 9.e do CPC 47); e
II – o reconhecimento de passivos em razão de obrigações contratuais relativas a:
a) direito à devolução (itens B21 a B27 do CPC 47); e
b) direitos de aquisição opcional de bens ou serviços adicionais ou com desconto (item B40 do CPC 47). ”
No entanto, o item 3 do anexo atribui ao contribuinte a responsabilidade de analisar com cuidado qualquer outro ajuste, pois determina que os demais itens do CPC 47 que envolvam a aplicação, ainda que indireta, dos procedimentos contábeis estabelecidos nos itens 1 e 2, devem ser considerados como modificação ou adoção de novos métodos ou critérios contábeis ou divergem da legislação tributária.
Os efeitos dos procedimentos que se enquadrarem nos itens 1, 2 e 3, mencionados acima não poderão alterar o valor da receita bruta definida no art. 12 do Decreto-Lei 1.598/77 e no inciso I do art. 187 da Lei 6.404/76 e, por consequência, representarão adição ou exclusão para fins de determinação do IRPJ e da CSLL (lucro real, presumido ou arbitrado).
O mesmo cuidado deve ser adotado em relação às bases de cálculo do PIS, COFINS e da CPRB.
É oportuno chamar a atenção para o fato de que muitas normas previstas no CPC 47 já estavam determinadas no CPC 30, porém, algumas empresas não se atentavam às disposições de normas anteriores e precisam de fato avaliar se há necessidade de adequação de seus números às novas regras.
Para fins de controlar referidas diferenças, a IN retro descrita determina a criação de contas denominadas “ajuste da receita bruta” ou “ajuste de dedução da receita bruta”, sendo que, para fins da Escrituração Contábil Fiscal – ECF, os ajustes serão discriminados no plano de contas referencial de acordo com a origem da diferença.
O item 4 do referido Anexo Único da IN 1.753/17 determina ainda que os itens do CPC 47 não mencionados nos itens 1, 2 e 3 não contemplam “modificação ou adoção de novos métodos ou critérios contábeis ou não têm efeito na apuração dos tributos federais”.
Desta forma, nem todas as regras contábeis que alteram de fato o valor da receita bruta possuem previsão na IN 1.771/17 para que os reflexos tributários sejam ajustados na apuração. Em suma, se não houver previsão legal expressa da RFB regulamentando a matéria, podemos entender que os referidos ajustes foram recepcionados pelas normas tributárias.
Um exemplo muito comum do fato supracitado é o ajuste para eliminar da receita bruta os valores referentes às faturas emitidas sem que tenha ocorrido a transferência dos riscos e benefícios para o cliente (cut off).
Ocorre que, em muitas situações, o vendedor emite uma nota de venda para o comprador no final do mês, e automaticamente esta venda é lançada como receita.
Todavia, a mercadoria não é entregue ao seu destino no próprio mês. Pelas regras do CPC 47, as quais já eram contempladas também no CPC 30, esta receita deve ser revertida na contabilidade, o que diminui o total da receita bruta auferida no mês.
Em tese, esta redução não deveria ser considerada para fins de tributação. É o que de fato faz mais sentido. No entanto, como não há previsão expressa para ajuste na IN 1.771, tampouco em quaisquer outras normas, entende-se que o Fisco acolheu referido ajuste como válido também para a apuração dos impostos.
Por fim, ressalte-se que os comentários acima não objetivam esgotar a abordagem do tema, mas sim chamar a atenção para mais uma complexidade introduzida na legislação tributária federal, exigindo dos contribuintes cada vez mais cuidado e especialização para atender todas as disposições legais, minimizando assim os riscos de questionamentos por parte das autoridades fiscais.