Reflexos contábeis do julgamento pelo STF dos embargos relacionados com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS

Por Pedro César da Silva
CEO
Athros Auditoria e Consultoria

 

Após mais de quatro anos de espera, finalmente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, na sessão do dia 12/05/2021, os embargos de declaração interposto pela União relacionado à discussão da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

O julgamento de mérito ocorreu em 15 de março de 2017, porém, a União ingressou com embargos de declaração, o qual pretendia que os efeitos retroativos da decisão fossem considerados válidos somente após o julgamento dos embargos. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também alegava haver contradições com relação a precedentes da Corte sobre a inclusão de tributos na base de cálculo de outros recursos e apontava o impacto econômico da decisão diante do enfrentamento da pandemia da Covid-19, superior a R$ 250 bilhões.

A relatora do processo, ministra Carmen Lúcia, acolheu parcialmente o pedido da União, ao destacar que os efeitos vinculantes da sistemática de repercussão geral requerem balizamento de critérios para preservar a segurança jurídica. Dessa forma, votou pela aplicação da tese a partir da data da sua formulação, ressalvados os casos ajuizados até o julgamento do mérito do RE (15/03/2021).

Quanto à alegação de que haveria descumprimento de precedentes, a ministra Carmen Lúcia observou que não se tratava da mesma matéria, portanto, não haveria de se adotar a mesma solução.

Esse entendimento foi seguido por maioria de 2/3, quórum qualificado necessário para a aprovação da modulação no Plenário.

Quanto à natureza do ICMS a ser excluído da base de cálculo, se o efetivamente pago ou o destacado em nota fiscal, a relatora defendeu tratar-se do imposto destacado na nota, entendimento seguido pela maioria dos ministros.

O julgamento dos embargos ficou conhecido como o julgamento do século, devido à relevante repercussão financeira e também do efeito balizador sobre teses semelhantes que estão pendentes de apreciação definitiva pelo Judiciário.

Assim, o julgamento foi acompanhado com atenção no meio jurídico e, apesar de não termos ainda o acordão dos embargos publicado, algumas conclusões de consenso estão sendo divulgadas por especialistas, quais sejam:

 

  1. O ICMS a ser excluído para fins de determinação da base de cálculo do PIS e Cofins é o destacado na nota fiscal;

 

  1. A modulação dos efeitos não afeta as empresas que ingressaram em juízo até 15/03/2017;

 

  1. Os contribuintes que possuem processos administrativos em andamento decorrentes de autuações baseadas na Solução de Consulta 13 certamente terão um desfecho favorável e, para aquelas cujos processos judiciais estavam sobrestados à espera do julgamento dos embargos, terão a movimentação de seu processo também na direção favorável.

 

A PGFN de forma extraordinariamente rápida, o que é elogiável, publicou em 24/05/2021 o PARECER SEI Nº 7698/2021/ME, o qual confirma as conclusões acima, e, mais que isso, indica a necessidade de que:   “todos os procedimentos, rotinas e normativos relativos à cobrança do PIS e da COFINS a partir do dia 16 de março de 2017 sejam ajustados, em relação a todos os contribuintes, considerando a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS destacado em notas fiscais na base de cálculo dos referidos tributos. 14. Essa orientação é relevante para que a Secretaria Especial da Receita Federal passe a observar, quanto ao tema, o teor art. 19-A, III e § 1º da Lei nº 10.522/2002, de maneira que não mais sejam constituídos créditos tributários em contrariedade à referida determinação do Supremo Tribunal Federal, bem como que sejam adotadas as orientações da Suprema Corte para fins de revisão de ofício de lançamento e repetição de indébito no âmbito administrativo. ”

Nesse contexto, as empresas deverão revisitar as práticas contábeis adotadas com relação ao provisionamento de contingências relacionadas ao tema, e também com relação ao reconhecimento dos respectivos créditos tributários.

O primeiro passo é revisar, atualizar ou levantar o montante do crédito tributário envolvido, considerando como premissa que o ICMS a ser excluído é o destacado em nota fiscal.  Faz necessário lembrar que RFB emitiu, em 01/03/2021, a Portaria nº 20/21, por meio da qual criou uma equipe nacional de auditoria de créditos oriundos de ações judiciais em declarações de compensação relativas à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

A equipe é composta por auditores fiscais da Receita Federal do Brasil e vinculada à Coordenação-Geral de Arrecadação e de Direito Creditório (Codar), sendo que esse time será responsável por:

 

  • Analisar o direito creditório;
  • Examinar as declarações de compensação;
  • Emitir despachos decisórios;
  • Lançamento de ofício de tributos e multas;
  • Representação fiscal para fins penais; e
  • Demais procedimentos associados à análise do direito creditório.

 

A equipe será mantida por 12 meses, contados a partir de 1º de março de 2021, podendo ter sua vigência prorrogada pelo mesmo período. Dessa forma, mesmo após o julgamento dos embargos, é recomendável que os contribuintes tenham especial atenção quanto aos cálculos dos créditos, além da adequada documentação e controles utilizados na apuração do crédito, objetivando a preparação para possíveis diligências fiscais.

Quanto às práticas contábeis aplicáveis, devemos observar os ditames do Pronunciamento Técnico CPC 25 –  PROVISÕES, PASSIVOS CONTINGENTES E ATIVOS CONTINGENTES. Segundo esse pronunciamento, os ativos contingentes não são reconhecidos, uma vez que pode tratar-se de resultado que nunca venha a ser realizado. No entanto, quando a realização do ganho é praticamente certa, o ativo relacionado não é um ativo contingente e o seu reconhecimento é adequado.

Assim, o item 10 do CPC 25 define ativo contingente como “um ativo possível que resulta de eventos passados e cuja existência será confirmada apenas pela ocorrência ou não de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob controle da entidade.”

Quanto ao reconhecimento de provisões (passivos), o CPC 25 determina que ocorrerá se as condições a seguir forem satisfeitas: (a) a entidade tem uma obrigação presente (legal ou não formalizada) como resultado de evento passado; (b) seja provável que será necessária uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos para liquidar a obrigação; e (c) possa ser feita uma estimativa confiável do valor da obrigação.

No tocante ao reconhecimento dos créditos algumas empresas, apesar de terem o trânsito em julgado de suas ações individuais, reconheceram em suas demonstrações contábeis apenas os créditos admitidos pelo fisco, ou seja, os cálculos a partir da exclusão do ICMS pago, conforme determinações da Solução de Consulta 13.

Esse procedimento, do ponto de vista contábil, era justificável com base na aplicação do conceito de ativo contingente, segundo o qual ele não deve ser reconhecido quando há incertezas sobre sua realização. No entanto, a partir do julgamento dos embargos, essas incertezas deixaram de existir, tornando necessário o complemento do valor contábil dos créditos.

Outra situação fática diz respeito às empresas que foram autuadas por terem compensado créditos superiores aos admitidos pelo fisco ou por terem recolhido as contribuições sem a inclusão do ICMS em suas respectivas bases de cálculo, e, por consequência, registraram passivos. Sou do entendimento que a chance de insucesso da discussão administrativa deverá ser modificada para possibilidade de perda remota, o que justificará a reversão das referidas provisões para contingências.

Nos termos do item 59 do CPC 25, as provisões devem ser reavaliadas em cada data de balanço e ajustadas para refletir a melhor estimativa corrente. Se já não for mais provável que seja necessária uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos futuros para liquidar a obrigação, a provisão deve ser revertida.

Alargando um pouco mais as hipóteses, certamente, há empresas que ainda não obtiveram o trânsito em julgado de suas ações individuais, cujo desfecho, exceto por questões processuais peculiares, necessariamente, será o mesmo observado no julgamento do STF.

Nesse caso, do ponto de vista contábil, estamos diante de um ativo contingente que não deve ser reconhecido ou já há certeza suficiente para justificar o reconhecimento contábil?

Penso que, devido à possibilidade de intercorrências específicas em cada processo, é aceitável reconhecer o ativo apenas quando a entidade obtiver o trânsito em jugado de sua ação individual. Nesse caso, devem ser divulgados em nota explicativa a descrição da natureza do ativo, o valor potencial e a expectativa da companhia sobre a sua eventual realização.

Como contraponto, pode-se alegar que o ativo deixou de ser contingente devido ao posicionamento final do STF, o qual daria ao crédito decorrente da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins o atributo de “praticamente certo”.

Além do fato da expressão “praticamente certo” padecer de uma subjetividade indesejável, entendo que, para quem não tem ação transitada em julgado, podemos classificar a probabilidade de realização dos créditos como provável, porém, a norma indica que para reconhecimento do ativo faz-se necessário algo mais, ou seja, que seja “praticamente certo”.

Quando for provável a entrada de benefícios econômicos, o item 34 do CPC 25 determina que o ativo contingente deve ser apenas divulgado.

Nesse ponto, cabe registrar que a CVM, por meio do Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP nº 01/2021, emitido anteriormente ao julgamento dos embargos, fez o seguinte comentário:

“Para o caso das companhias que não tenham decisões judiciais transitadas em julgado e o das que não entraram ainda com ações judiciais, exceto por circunstâncias específicas pertinentes ao caso concreto que permitam uma mensuração objetiva e confiável, as áreas técnicas da CVM entendem não existir ainda elementos que possibilitem o reconhecimento do referido ativo ou baixa do respectivo passivo. ”

Quanto aos créditos referentes ao período posterior a 15/03/2017, tendo em vista a manifestação da PGFN por meio do PARECER SEI Nº 7698/2021/ME, em parte reproduzido anteriormente, entendo que com relação a eles não resta incertezas que pudessem caracterizá-los como contingentes, assim, entendo que devem ser reconhecidos na escrituração contábil de imediato.

É importante destacar que há polêmicas envolvendo a tributação dos referidos créditos. Há entendimentos de natureza jurídica, inclusive com manifestações favoráveis aos contribuintes, no sentido de que o IRPJ e a CSLL sobre os créditos reconhecidos sejam devidos apenas quando da homologação das compensações pelas autoridades fiscais e não quando do trânsito em julgado das ações individuais, conforme entendimento do fisco à luz da Solução de Divergência COSIT nº 19, de 12 de novembro de 2003 e da Solução de Consulta DISIT/SRRF10 nº 233, de 30 de novembro de 2007.

Outra discussão que está sendo travada no poder judiciário diz respeito à incidência de tributos sobre a atualização dos créditos tributários. O tema gira em torno do conceito jurídico de aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, sendo argumento dos contribuintes que tal conceito exigiria que ocorresse verdadeiro acréscimo patrimonial disponível ao contribuinte, atributo não aplicável à atualização, a qual visa mera recomposição do valor monetário do crédito.

Por fim, as entidades devem avaliar os impactos do histórico julgamento dos embargos de declaração por parte do STF, sejam eles jurídicos ou financeiros, e, por consequência, como esses impactos devem ser refletidos nas demonstrações contábeis, além de como devem ser divulgados, visando dar aos usuários das demonstrações contábeis amplo entendimento com relação ao tema.

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