Por Pedro Cesar da Silva
CEO
Athros Auditoria e Consultoria
Março de 2023
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento dos Recursos Extraordinários nº 949.297 e do RE 955.227, elencados nos Temas 881 e 885 da repercussão geral, que discutem o impacto das decisões do STF em relações tributárias de trato sucessivo, nas hipóteses em que há coisa julgada individual afastando a tributação e, de outro lado, tese firmada pelo STF confirmando a tributação.
Faz-se necessário destacar que não houve a publicação do acórdão. Assim, não se conhece detalhes dos fundamentos da decisão do STF. Ademais, é possível que ocorra a interposição de embargos de declaração.
Os comentários a seguir levarão em conta a veiculação feita no site da suprema corte e manifestações de ministros em palestras. É possível que por ocasião da publicação do acórdão seja necessário revisitar os comentários abaixo.
Em síntese: o STF analisou qual é o efeito das decisões tomadas por ele em ações diretas de constitucionalidade ou em repercussão geral validando uma determinada tributação sobre decisões individuais dos contribuintes que tenham transitadas em julgado, permitindo o não recolhimento do mesmo tributo.
O STF aprovou a seguinte Tese:
“1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”
Segundo o entendimento fixado pelo STF, os contribuintes que têm decisões judiciais favoráveis em processos individuais com trânsito em julgado perdem automaticamente a sua eficácia diante de um julgamento do STF, em sede de ação direta ou repercussão geral.
O caso específico dos Recursos Extraordinários em questão tratava de contribuintes que possuíam decisão transitada em julgada reconhecendo a inexigibilidade do recolhimento da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL). Posteriormente ao trânsito em julgado dos processos individuais, o STF entendeu pela constitucionalidade da cobrança, no ano de 2007, de modo que os contribuintes teriam passado a dever o tributo desde então, de acordo com o novo entendimento firmado pelo STF.
Além disso, o STF não modulou os efeitos da sua decisão.
Com isso, surge a possibilidade de a RFB poder cobrar todo o tributo não pago desde a decisão do STF que tenha reconhecido no passado a constitucionalidade da exigência tributária.
Cabe destacar que, a PGFN e a Receita Federal sempre insistiram que a CSLL era devida. Ocorreram cobranças ao longo dos anos e, ademais, foi editado, em 2011, o Parecer Público PGFN n.º 492/2011, que tratou do assunto inclusive quanto aos contribuintes que possuíam trânsito em julgado.
Assim, procurando apresentar uma visão prática do efeito para as empresas que tenham sido beneficiadas por decisão transitada em julgado afastando a incidência da CSLL, podemos considerar que:
- Não poderão ser exigidos valores de competências anteriores a 2007
- Poderão ser exigidos valores posteriores a 2007, desde que, os mesmos não estejam prescritos, ou seja, para que possam ser exigidos, a RFB deverá ter autuado a empresa dentro do prazo de 5 anos
- Poderão ser exigidos valores relativos aos últimos 5 anos calendários. Nesse caso, a depender da evolução do tema, caberia inclusive, observadas as regras específicas, o uso do instituto da denúncia espontânea.
Em respeito ao contraditório, permito-me mencionar o entendimento manifestado pelo Jurista Fernando Facury Scaff, a partir de sua análise da Tese aprovada pelo STF, em artigo publicado pelo portal CONJUR:
“Há uma palavra que delimita a questão, que é “respeitada a irretroatividade”. Com isso, pode-se afirmar que não haverá retroação dos efeitos da decisão, sendo vedado aos Fiscos cobrar tributos eventualmente acobertados pela coisa julgada controvertida pela decisão que o STF vier a proferir. Assim, tal decisão não poderá criar passivos tributários para os contribuintes acobertados pela coisa julgada, afinal, eles cumpriram a decisão judicial que lhes favorecia. Logo, em face da expressa menção à “irretroatividade” da decisão, não entendo que possam advir passivos tributários para quem tinha processos transitados em julgado em sentido diverso do que o STF vier a decidir.
Em decorrência desse cenário, a CVM editou Ofício-Circular SNC/SDE 01/2023 que trata de orientações quanto a aspectos relevantes a serem observados quando da elaboração e publicação das Demonstrações Contábeis para o exercício social encerrado em 31.12.2022.
O IBRACON, por sua vez, editou a Circular 01/23, reafirmando o entendimento manifestado pela CVM.
As áreas técnicas da CVM julgam ser de extrema relevância alertar os Diretores de Relações com Investidores das companhias abertas e seus auditores com relação a dispositivos normativos que devem ser observados, quando da elaboração de suas demonstrações contábeis de 31.12.2022, ou quando da reapresentação espontânea, caso já tenham sido divulgadas ao mercado.
O órgão regulador preocupou-se em destacar a necessidade de observância da Resolução CVM 44 que trata sobre a divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, bem como, quanto a observância dos CPC 24 – Evento Subsequente e CPC 25 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes.
Especificamente quanto ao CPC 24, destaca-se o seu item 24.9, abaixo reproduzido:
“A seguir são apresentados exemplos de eventos subsequentes ao período contábil a que se referem as demonstrações contábeis que exigem que a entidade ajuste os valores reconhecidos em suas demonstrações ou reconheça itens que não tenham sido previamente reconhecidos: (a) decisão ou pagamento em processo judicial após o final do período contábil a que se referem as demonstrações contábeis, confirmando que a entidade já tinha a obrigação presente ao final daquele período contábil. A entidade deve ajustar qualquer provisão relacionada ao processo anteriormente reconhecida de acordo com o CPC 25 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes ou registrar nova provisão. A entidade não divulga meramente um passivo contingente porque a decisão proporciona provas adicionais que seriam consideradas de acordo com o item 16 do CPC 25; (…)”
Dessa forma, as entidades devem considerar a decisão do STF quando da elaboração e aprovação das demonstrações contábeis para fins de reconhecimento, mensuração e divulgação de suas provisões para riscos tributários e/ou tratamentos fiscais incertos no encerramento do exercício.
Vejam que ainda que a decisão do STF tenha ocorrido em 2023, as empresas deverão avaliar reconhecer seus efeitos ainda em 2022, caso ainda não tenham divulgado as respectivas demonstrações financeiras.
Evidentemente que a avaliação de reconhecer ou não uma provisão relacionada aos efeitos da CSLL deve levar em conta a opinião dos assessores jurídicos quanto à chance de um efetivo desembolso em decorrência da decisão do STF.
Nesse ponto não vejo que tenhamos um consenso no meio jurídico, ao contrário, vejo uma clara dificuldade em opinar devido à falta de publicação do Acórdão e também quanto ao posicionamento do STF frente a prováveis embargos de declaração.
Nesse contexto, respeitadas as avaliações de cada caso, penso que o cenário não está claro o suficiente para tornar indiscutível a necessidade de registro contábil de provisões, pois além da questão jurídica que depende do conhecimento do teor do Acórdão e julgamento sobre provável embargos de execução há, ainda, possível dificuldade em determinação de imediato e com confiabilidade dos valores envolvidos.
Não posso deixar de registrar que ao longo desses dias ocorreram muitas manifestações sobre o assunto, mas a que mais chamou a atenção foi a do Ministro Luiz Fux: “A decisão destruiu a coisa julgada e criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes. Foi uma decisão genérica que se aplica a todos os tributos, com consequências desastrosas. O contribuinte que tem uma decisão favorável julgada há mais de dez anos não poderá mais dormir com tranquilidade com essa decisão”.
Podemos considerar que estamos diante de mais um capítulo e, talvez, um dos mais relevantes da chamada insegurança jurídica, a qual está submetida nosso País.
Nesse sentido, o posicionamento do STF levanta preocupação para outras situações de repercussão geral discutidas pelo próprio STF em sentido contrário aos contribuintes, como é o caso dos exemplos mencionados pelo IBRACON em sua Circular: (i) certos processos que envolvem a exclusão do ICMS na base do PIS e COFINS impetrados após março de 2017; (ii) IPI na revenda de produtos importados (Tema 906); (iii) contribuição previdenciária sobre 1/3 de férias (Tema 985); iv) CSLL na exportação (Tema 8); e (v) COFINS sobre prestação de serviço legalmente regulamentado (Tema 71).
Assim, chamamos a atenção dos contribuintes para a importância de revisitarem seus processos judiciais tributários, para avaliar riscos da aplicação do entendimento do STF prejudicar teses em que julgavam estar protegidos pela coisa julgada.