Preços de Transferência e suas intempéries no Brasil

Por Luciano Nutti
Sócio-diretor Consultoria – Impostos Diretos
Athros Auditoria e Consultoria

 

As normas relativas aos Preços de Transferência (Transfer Pricing) objetivam evitar o superfaturamento nas operações de importação e/ou o subfaturamento nas operações de exportação, praticadas entre pessoas vinculadas, paraísos fiscais (países com tributação favorecida sobre a renda – inferior a 20%) e/ou países que oponham sigilo de composição societária, regimes fiscais privilegiados, além das chamadas interpostas pessoas (intermediárias entre operações com duas ou mais empresas vinculadas).

O controle dos Preços de Transferência se dá por meio de métodos de cálculo para determinação de preços de comparação máximos para as importações e mínimos para as exportações. São os chamados “preços parâmetros”.

O preço praticado, por sua vez, é a operação propriamente dita, o qual é comparado com o preço parâmetro obtido por um dos métodos de cálculo permitidos pela legislação. Embora possa ser adotado mais de um método pelo contribuinte (mas apenas um para cada produto), sendo, em tese, de sua livre escolha, veremos adiante que isso muitas vezes é mera utopia!

Nas importações, se o preço praticado for superior ao preço parâmetro, a diferença (ajuste) deve ser oferecida à tributação mediante adição na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, exceto se tal divergência for inferior a 5%. A mesma regra aplica-se às exportações, com a diferença de que o ajuste deve ser efetuado se o preço praticado for inferior ao preço parâmetro, aplicando-se igualmente a margem de divergência aceitável (5%). Em suma, o objetivo é sempre o mesmo, qual seja, evitar a “manipulação de preços”, de modo que o lucro seja “desviado” do Brasil para o exterior, ocasião em que o contribuinte pagaria menos imposto.

Os três fundamentos que originam os métodos no Brasil, tanto para as importações quanto para as exportações, são exatamente os mesmos, quais sejam: venda e/ou revenda, preços independentes e custo de produção e/ou aquisição.

Para as operações de importação, temos os seguintes métodos:

  • PRL – Método do Preço de Revenda menos Lucro: baseado na revenda do produto importado, mas aplicável, inclusive, quando há industrialização e venda do produto acabado;
  • PIC – Método dos Preços Independentes Comparados: baseado na comparação com preços independentes (operações com terceiros);
  • CPL – Método do Custo de Produção mais Lucro: com base no custo de produção do bem em sua origem (no exterior).

Além desses três métodos, há ainda um quarto método, porém, aplicável apenas às commodities, ou seja, para uma pequena quantidade de contribuintes. Trata-se do PCI – Método do Preço sob Cotação na Importação. Da mesma forma que o PIC, á baseado na comparação com preços independentes.

No que concerne às exportações, por sua vez, baseados nesses mesmos princípios, temos:

  • CAP – Método do Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro: baseado no custo de aquisição ou produção do bem pela empresa brasileira, acrescido de lucro de 15%;
  • PVEx – Método do Preço de Venda nas Exportações: baseado na comparação de preços independentes (exportação a terceiros);
  • PVA – Método do Preço de Venda por Atacado no País de Destino, Diminuído do Lucro: baseado na revenda do produto exportado (no atacado), diminuído do lucro de 15%;
  • PVV – Método do Preço de Venda a Varejo no País de Destino, Diminuído do Lucro: idem ao PVA, mas para revenda no varejo, diminuído da margem de lucro de 30%;

 

Assim como nas importações, há também um método adicional aplicável exclusivamente às commodities. Trata-se do Método do Preço sob Cotação na Exportação (Pecex), que também se baseia na premissa de preços independentes.

Em princípio, olhando de forma isolada, existe uma quantidade razoável de métodos. Contudo, há, indiscutivelmente, dificuldade prática na aplicação da grande maioria deles, seja porque se pautam em situações que nem sempre ocorrem (a exemplo do PIC, nas importações, e PVEX, nas exportações, pela necessidade de haver a “operação comparável”), ou ainda, por dependerem de informações de difícil obtenção, a exemplo do CPL na importação, em que é necessária, para sua aplicação, a abertura dos custos incorridos no exterior, nos moldes da legislação brasileira. Ora, se já seria muito difícil obter os custos nos moldes da legislação do país de origem, imagina nos moldes da legislação brasileira!

Ainda no que concerne ao CPL, há uma situação ainda mais esdrúxula, quando a “pessoa vinculada” não produz o bem, mas sim o adquire de terceiros para revenda à empresa no Brasil. Nesse caso, por mais absurdo que possa parecer, há posicionamentos da Receita Federal do Brasil – RFB no sentido de que o CPL somente pode ser aplicado se obtidos os custos de produção na origem, ou seja, da empresa não vinculada no exterior que efetivamente produziu.

Não rara é a situação em que o contribuinte, podendo, em tese, aplicar tão somente o método PRL (que não depende de fontes externas), venha a deparar-se com a situação em que determinado produto foi importado e não revendido (ou transformado e vendido como produto acabado), mas ocorreu saída de estoque que não a título de venda. Nessa hipótese, nem mesmo o PRL torna-se possível!

Há inúmeras outras dificuldades, como é o caso de importações de ativo imobilizado e/ou serviços, em que não há venda/revenda (para aplicação do PRL), nem operações comparáveis de/para terceiros (para aplicação do PIC), tampouco informação dos custos na origem (para aplicação do CPL), deixando o contribuinte de mãos atadas quanto ao atendimento das regras.

Em situações como as descritas, o contribuinte, muitas vezes, é obrigado a tomar uma difícil decisão, na qual não existe “meio termo”: ou adota um posicionamento extremamente conservador (adicionando integralmente o valor relativo a esses bens/produtos ou serviços) ou totalmente “arrojado” (deixando de adicionar qualquer montante).

Para tomada de decisão nesse sentido, é importante ressaltar que as autoridades fiscais, para autuação, devem aplicar um dos métodos existentes, não podendo simplesmente glosar a integralidade desses custos/despesas. Por outro lado, não é demais lembrar que, muitas vezes, o Fisco possui elementos para aplicação de determinado método, não acessíveis ao contribuinte.

Vale ressaltar que, embora o contribuinte tenha de fato a prerrogativa de escolha do método, esse benefício é anulado no momento em que se inicia um procedimento de fiscalização. Assim, não tendo sido “escolhido” um dos métodos, as autoridades fiscais poderão fazer essa escolha “pelo contribuinte”.

Por óbvio, haverá bons argumentos para defesa na hipótese de autuação com base em um método em que o contribuinte não tinha “acesso”. Porém, os dissabores e custos com referida defesa, seja na esfera administrativa ou judicial, são inevitáveis. Sem dúvida, uma dura realidade!

Considerando a elevada carga tributária no Brasil, somada às dificuldades enfrentadas pelas empresas em tempos de pandemia, é incomensurável o equívoco de ignorar os problemas relativos às regras dos Preços de Transferência no Brasil, pois corremos um sério risco de empresas estrangeiras repensarem sobre seus investimentos em nosso país.

Será que é mesmo necessário que isso aconteça para que nossos governantes voltem seus olhos para o tema? Obviamente não seria o mais adequado, mas considerando que muitos anos já se passaram, e nada foi feito até então, pode ser que o único caminho seja mesmo “pela dor”!

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