O reconhecimento do Indébito Tributário a ser compensado – Quando ocorre?

Por Glaucia Godeghese

Advogada

Godeghese e Silva Advogados Associados

Nas últimas décadas os contribuintes brasileiros se viram envoltos em inúmeras discussões judiciais versando sobre a exigibilidade ou não de diversos tributos. Em alguns casos saíram vitoriosos, em outros não.

Ao obter sucesso em uma discussão judicial tributária o contribuinte se depara com outro questionamento: em que momento deve ser feito o reconhecimento contábil do indébito tributário a ser repetido/recuperado via compensação?

Primeiramente, convém lembrar que não há lei específica estabelecendo expressa e claramente quando o reconhecimento contábil do indébito tributário declarado judicialmente deve ser efetuado pelo contribuinte.

Nesse contexto, visando vincular o reconhecimento contábil do indébito tributário à determinado evento que justifique seu registro, os contribuintes, e o próprio fisco federal representado pela Receita Federal do Brasil – RFB, passaram a defender hipóteses diversas sobre o momento do reconhecimento contábil do indébito tributário pelos contribuintes vitoriosos em suas discussões judiciais.

Tais hipóteses se ancoram em diferentes normas e orientações, as quais, à inexistência de legislação sobre o tema, serviriam de direcionamento.

Uma dessas normas é o Ato Declaratório Interpretativo – ADI nº 25, publicado pela RFB em 29/12/2003, onde se estabeleceu que “pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído.”

Contudo, muitas vezes, em especial quando a discussão judicial se dá com a utilização de mandado de segurança, não há definição de valor a ser restituído, sendo que o provimento jurisdicional se resume à declaração do direito à compensação do indébito tributário e os parâmetros para a sua apuração pelo contribuinte.

Independente desse relevante fato, a RFB continuava a defender, com base no citado Ato Declaratório, que o reconhecimento contábil do indébito tributário, independente da liquidação do valor do indébito tributário ter se dado ou não na ação judicial.

Posteriormente, a RFB publicou a Solução de Consulta COSIT nº 183/21, afirmando que nas ações que não foram definidos os valores do indébito tributário, o reconhecimento contábil do referido indébito deve ocorrer no momento da apresentação da primeira declaração de compensação.

Por sua vez, o artigo 104 da Instrução Normativa RFB nº 2.055/21 ressalva que o deferimento da habilitação do crédito tributário não implica em reconhecimento do direito creditório, tampouco em homologação dos valores a serem compensados.

Também utilizado como parâmetro para a definição do adequado momento ao reconhecimento contábil do indébito tributário, temos o Pronunciamento Técnico CPC 25, que estabelece que o ativo deve ser reconhecido contabilmente “se for praticamente certo que ocorrerá uma entrada de benefícios econômicos”. Nesse caso a pergunta que permeava a cabeça dos contribuinte era: “Em que momento é praticamente certo que ocorrerá o benefício econômico?”

Adicionalmente, considerando que o reconhecimento contábil do indébito tributário constituiria, em regra, fato gerador do Imposto de Renda – IR e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, os contribuintes levem em consideração o conceito constitucional de renda e o princípio da legalidade em matéria tributária.

Diante de tantas possibilidades e interpretações sobre o momento adequado do reconhecimento contábil do indébito tributário, passou-se a cogitar que tal momento poderia ser:

  • > No trânsito em julgado da decisão judicial que declarou o direito à compensação;
  • > No protocolo do Pedido de Habilitação do indébito tributário perante a RFB;
  • > No deferimento do pedido de habilitação do indébito pela RFB;
  • > Na efetiva compensação do indébito tributários; ou
  • > Na homologação do indébito tributário pela RFB.

É fato que o derradeiro e efetivo benefício financeiro somente se verifica com i) obtenção de medida judicial procedente; ii) cumprimento do procedimento administrativo estabelecido pela RFB para “Habilitação do Indébito Tributário”; iii) deferimento desse pedido; iv) efetivação da compensação, também por procedimento administrativo prévio estabelecido pela RFB; e finalmente v) a homologação de tais compensações pela RFB.

Isso porque somente após a efetiva homologação de tais compensações pela RFB o contribuinte tem como líquido, certo e imutável o seu direito à compensação do indébito tributário e, portanto, o benefício financeiro.

Até essa homologação ser efetivada pela RFB, podemos afirmar, em uma posição simplista, que não há direito ao indébito tributário, mas sim mera expectativa de direito ao ingresso patrimonial positivo.

Diante de tantas incertezas e diversas teorias sobre o momento adequado do reconhecimento contábil do indébito tributário declarado judicialmente, os contribuintes novamente acionaram o Poder Judiciário, a fim de assegurarem seu direito de efetuar tal reconhecimento, e sua respectiva tributação, afastando qualquer questionamento ou risco de glosa pela RFB.

Assim, recentemente o Superior Tribunal de Justiça – STJ, mediante acórdão lavrados nos autos do Recurso Especial nº 2.172.434/SP, afetou o tema ao rito dos recursos repetitivos, entendendo como necessária e fundamental para garantir a segurança jurídica dos contribuintes, a definição sobre “o momento no qual é verificada a disponibilidade jurídica de renda em repetição de indébito tributário ou em reconhecimento do direito à compensação julgado procedente e já transitado em julgado, para a caracterização do fato gerador do IRPJ e da CSLL, na hipótese de créditos ilíquidos”.

Agora resta aos contribuintes aguardar o vindouro julgamento do STJ sobre o tema, acionando o Poder Judiciário, nesse ínterim, se verificar que está sendo prejudicado pelo entendimento fazendário sobre o tema.

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