O novo regramento das Subvenções – Aumento expressivo da carga tributária

Por Luciano Nutti
Sócio-Diretor Consultoria – Impostos Diretos
Athros Auditoria e Consultoria

 

O apetite por arrecadação do Governo Federal, nos últimos tempos, tem sido intenso, utilizando como “justificativa” a necessidade de equilíbrio das contas públicas federais, de modo a afastar o tão temido déficit fiscal.

No apagar das luzes do ano de 2023, pegando carona em uma série de medidas que pesarão no bolso dos contribuintes de forma significativa a partir de então, foi publicada a Lei nº 14.789/23, fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.185/23, a qual alterou consideravelmente o tratamento tributário dispensado às Subvenções Governamentais.

De acordo com a referida Lei, as receitas de Subvenção passam a ser tributadas pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, gerando um aumento imediato da carga tributária, na ordem de 43,25%. Contrapondo esse impacto, poderá ser apropriado um crédito fiscal correspondente a 25% (IRPJ), desde que respeitadas as condições e restrições impostas pela Lei, dentre elas (i) a comprovação de implantação ou expansão de empreendimento econômico; e (ii) que as receitas estejam relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão, ou ainda, à locação ou arrendamento de bens de capital.

Ora, se ao crédito fiscal são impostas tais condições, é possível concluirmos desde já que a base do crédito fiscal, na grande maioria dos casos, será inferior à base tributável (Subvenções). Assim, além do aumento da carga tributária pelo percentual (43,25% menos 25% = 18,25%), haverá também esse aumento pela diferença das bases.

Antes de adentrarmos nas demais peculiaridades trazidas pela Lei 14.789/23 e sua “regulamentação” (IN 2.170/23), convém lembrar que, em 2023, no encerramento do julgamento do Tema 1.182, envolvendo as Subvenções para Investimento, em que o STJ decidiu favoravelmente aos contribuintes, inexplicavelmente o Ministro da Fazenda Fernando Haddad comemorou uma vitória até então inalcançada, prevendo um aumento de arrecadação considerável, porém totalmente descabido na ocasião. Contudo, essa vitória (ainda que de uma mera batalha, mas não da guerra) seria alcançada posteriormente, com a conversão da MP 1.185 na Lei 14.789/23, objeto deste artigo.

Em nota publicada em 29/12/23, intitulada “Governo sanciona lei que moderniza benefício fiscal de subvenção”, o Ministério da Fazenda cita que “a nova legislação vai corrigir distorções no sistema tributário brasileiro, especialmente no que diz respeito à redução do pagamento de tributos federais”. Complementa ainda que “a nova abordagem, portanto, busca equilibrar a necessidade de estímulo econômico com a responsabilidade e a sustentabilidade fiscal”.

Não nos parece razoável afirmar que haveria modernidade nesse novo regramento, tampouco que estaria corrigindo distorções no sistema tributário brasileiro. Pelo contrário, a alteração representa um retrocesso, alinhada tão somente à sede arrecadatória desenfreada do Governo Federal, trazendo distorções até então inexistentes no regramento dispensado às Subvenções, além de grande burocracia para o aproveitamento do crédito fiscal, sem contar no impacto que causará nos investimentos futuros das empresas, à medida que parte dos valores subvencionados será convertida em tributos (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS).

Como “prova” da mencionada burocracia, para tomada do referido crédito, haverá necessidade de habilitação prévia por parte da Receita Federal do Brasil – RFB, requerida pelo contribuinte por meio de serviço digital (e-CAC), ocasião em que deverá ser também apresentado o ato concessivo da subvenção, editado pelo ente federativo, acompanhado de eventuais documentos comprobatórios complementares que se fizerem necessários, objetivando comprovar o atendimento às premissas impostas pela Lei.

O pedido de habilitação deverá ser analisado pela RFB no prazo de 30 dias. Após esse prazo, sem que haja manifestação por parte da RFB, o contribuinte será considerado tacitamente habilitado. Na hipótese de indeferimento ou cancelamento da habilitação, poderá ser apresentado recurso administrativo no prazo de 10 dias, contado da ciência da notificação.

Em relação à forma de utilização do crédito fiscal, poderá ser solicitado o ressarcimento em espécie ou efetuada a compensação com débitos próprios, vincendos ou vencidos, relativos a tributos administrados pela RFB. Na hipótese de não ocorrer a compensação em até 24 meses, o ressarcimento do crédito fiscal será concedido ao contribuinte no 24º mês.

Em meio a tantos prejuízos trazidos pela norma, podemos citar alguns pontos “positivos” desse novo regramento, tais como (i) a dispensa de constituição de reserva de incentivos fiscais; (ii) possibilidade de aproveitamento do crédito mesmo em situação de prejuízo fiscal; (iii) tributação das Subvenções, para fins de IRPJ e CSLL, somente no encerramento do período (dezembro), para as empresas submetidas ao regime de tributação do Lucro Real anual.

Ademais, importante ressaltar que a Lei 14.789/23 está recheada de pontos controversos, os quais necessitam de esclarecimentos para evitar dissabores ainda maiores aos contribuintes. Podemos citar, dentre as controvérsias:

 

  • O que será efetivamente considerado como subvenção para fins da tributação (43,25%) disposta na Lei? A revogação do artigo 30 da Lei 12.973/14 teria porventura afastado o “conceito amplo de subvenções” (redução de base, redução de alíquota, isenção, etc)?

Embora essa seja uma interpretação bastante razoável, não nos parece que será seguida pela RFB. Nota publicada pelo Ministério da Fazenda na data da publicação da Lei afirma que: “Agora a legislação traz uma clara diferenciação entre subvenções para custeio e investimentos. As isenções de tributos federais sobre subvenções foram eliminadas, criando-se a possibilidade de geração de crédito fiscal restrita para subvenções de investimento”.

 

  • Uma vez habilitado o crédito pela RFB, ele poderá ser utilizado de imediato ou somente após a entrega da ECF?

O parágrafo único do artigo 6º da Lei 14.789/23 determina que o crédito fiscal deverá ser apurado na Escrituração Contábil Fiscal (ECF) relativa ao período de apuração de reconhecimento das receitas de subvenção, não deixando claro, contudo, se essa apuração é apenas uma formalização do valor já conhecido e considerado no Pedido de Habilitação, ou condição essencial para aproveitamento do crédito fiscal.

 

Embora nos pareça razoável entender que, uma vez habilitado, o crédito fiscal já se torna passível de aproveitamento, não há clareza quanto a esse ponto na Lei.

 

  • Em que momento os créditos devem ser apropriados (relativos às receitas relacionadas à depreciação, amortização, exaustão, etc)?

 

O art. 8º determina que, na apuração do crédito fiscal, somente poderão ser computadas as receitas que sejam relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico.

Referido artigo leva a uma interpretação dúbia sobre o momento de apropriação, ou seja, se basta que as receitas estejam vinculadas a bens depreciáveis, amortizáveis, exauríveis etc., ou se é necessário aguardar a efetiva depreciação, amortização, exaustão, etc, criando uma morosidade ainda maior para aproveitamento dos créditos.

 

  • A subvenção tributada será bruta ou líquida, considerando que, em muitos benefícios fiscais, o contribuinte deixa de apropriar-se de créditos tributários, reduzindo o valor efetivo da Subvenção?

Sobre este ponto, a RFB já se manifestou através da Solução de Consulta 12/2022 (baseada no regramento antigo), decidindo que apenas o valor líquido das Subvenções deveria deixar de ser tributado. A decisão foi pautada em dispositivos atualmente revogados pela Lei 14.789/23. Assim, embora plausível, ainda é controverso o entendimento de que a “subvenção líquida” poderia ser utilizada para redução do valor tributável, em comparação ao valor bruto, em especial para o PIS e a COFINS (para o IRPJ e CSLL, o efeito seria nulo dessa discussão).

 

  • A legislação buscou de fato alcançar os créditos presumidos de ICMS, ainda que o STJ já tenha julgado a impossibilidade de tributação, baseada no princípio do Pacto Federativo?

Pela literalidade da Lei, os créditos presumidos de ICMS não foram excluídos do novo regramento. Por outro lado, o STJ já se posicionou em relação à impossibilidade de tributação, baseada no princípio do Pacto Federativo, em que a União não poderia cobrar tributos sobre uma renúncia de receita exercida pelos Estados. Por essa razão, muitos contribuintes já avaliam a judicialização desse tema.

 

Há outras controvérsias e argumentos, além do acima exposto, que poderão levar os contribuintes ao Poder Judiciário. É sabido, inclusive, que o Partido Liberal ingressou com a ADI 7551, na qual argumenta que a medida viola o pacto federativo e que “tem o potencial de causar grande desordem no ambiente jurídico fiscal-tributário nacional, uma vez que buscou, de maneira desarrazoada, alterar entendimentos jurídicos consolidados e artificialmente modificar o resultado de processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados, o que não pode ser admitido em prol da segurança jurídica constitucionalmente consagrada”.

O jornal Valor Econômico, em notícia publicada em 29/01/24 intitulada “Contribuintes conseguem no Judiciário afastar tributação de benefícios fiscais”, informa que pelo menos seis liminares foram concedidas nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná e no Distrito Federal, beneficiando empresas como Renner e Laticínios Catupiry, além de dois sindicatos empresariais, cujas liminares beneficiam mais de 220 empresas, já que duas delas foram concedidas em mandados de segurança coletivos. Indubitavelmente, já foi dada a largada à nova fase de litigiosidade sobre o tema e os contribuintes saíram na frente.

Feitas essas considerações e certos de que o artigo está distante de esgotar todos os pontos relativos ao tema, torçamos para que as lacunas deixadas pela Lei 14.789/23 e sua regulamentação (IN 2.170/23) sejam devidamente preenchidas e que tragam a interpretação mais favorável aos contribuintes. Esses, por sua vez, necessitam mapear suas operações para avaliação quanto ao real enquadramento e seus impactos, avaliando a conveniência de judicialização, levando em conta, inclusive, a existência de precedentes favoráveis.

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