Por Isabella Gomes
Sócia-Supervisora Consultoria – Diretos
Athros Auditoria e Consultoria
O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) é o principal incentivo fiscal adotado pelas empresas tributadas pelo lucro real e consiste na dedução de até 4% do valor do IRPJ devido pela alíquota principal de 15%.
Pelas regras vigentes até 11/2021, todas as empresas que fornecem alimentação aos seus colaboradores, independentemente da forma, podiam usufruir do benefício.
Ocorre que em 11.11.2021 foi publicado o Decreto nº 10.854, que alterou o artigo 645 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/2018), introduzindo dois incisos ao parágrafo primeiro do referido artigo, com novas restrições à fruição do incentivo fiscal, já válidas a partir de 12/2021, sendo elas:
- Serão considerados no cálculo da dedução os valores despendidos com alimentação de trabalhadores que recebam até cinco salários-mínimos, podendo englobar todos os trabalhadores da empresa beneficiária desde que esta tenha serviço próprio de refeições ou distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva;
- A dedução incidirá apenas sobre a parcela do benefício concedido ao trabalhador que corresponder ao valor de no máximo um salário-mínimo.
Assim, de acordo com a primeira restrição, os trabalhadores incluídos no programa de alimentação e que possuem renda superior a cinco salários-mínimos deverão ser desconsiderados da base de cálculo do PAT, havendo exceção apenas às empresas que possuem serviço próprio de refeição ou que fornecem alimentação coletiva, situações que poderão englobar todos os trabalhadores no cálculo do benefício.
Entende-se por fornecedora de alimentação coletiva as empresas: operadoras de cozinha industrial e fornecedoras de refeições preparadas transportadas, administradoras de cozinha da contratante e fornecedoras de cestas de alimento e similares para transporte individual.
Já a segunda restrição trouxe uma limitação individual ao valor do benefício que poderá ser utilizado como base de cálculo do PAT, que corresponde à parcela de até um salário mínimo por trabalhador.
Em outras palavras, o pagamento de vale-refeição ou alimentação acima de um salário-mínimo continua permitido, porém a parte que exceder o respectivo teto não será mais dedutível para fins de cálculo do PAT.
Uma dúvida recorrente entre as empresas diz respeito ao cálculo acumulado do incentivo fiscal. Como as novas regras passam a valer a partir de 12/2021, a questão gira em torno de como calcular o benefício de forma acumulada até 12/2021.
Em nosso entendimento, em que pese o incentivo se acumular mensalmente, seu cálculo é feito individualmente, mês a mês, sendo o acúmulo representado pelo somatório dos cálculos mensais. Dessa forma, o cálculo deve ser feito pelas regras antigas de janeiro a novembro e pelas regras do decreto apenas em dezembro.
Do ponto de vista jurídico, as mudanças trazidas pelo Decreto nº 10.854/2021, além de acarretarem aumento da carga tributária para as empresas no próprio ano de sua promulgação, aqui violando o princípio da anterioridade, representam também motivo de preocupação por serem absolutamente inovadoras em relação à lei que instituiu o PAT (Lei nº 6.321/1976). Isso porque, dentro da hierarquia das normas, o decreto é norma inferior à lei, não tendo força para alterá-la, atentando assim contra o princípio da legalidade.
Não obstante, o Decreto nº 10.854/2021 também fere o princípio da isonomia, impondo limite ao desconsiderar os trabalhadores que ganham mais do que cinco salários-mínimos apenas em relação às empresas que concedem vales alimentação ou refeição aos empregados, mantendo fora da restrição aquelas que fornecem alimentação in natura, por meio de serviço próprio de refeições ou de distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva.
Já é de conhecimento público que o Poder Judiciário vem se manifestando de forma favorável aos contribuintes, concedendo medidas liminares que afastam a aplicação do novo decreto.
Vale lembrar que já houve situação parecida no passado envolvendo o PAT, em que outra norma infralegal determinou o valor máximo por refeição, quando jurisprudências consolidadas pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ apartaram sua aplicabilidade.
Em suma, é entendimento pacificado pelo Poder Judiciário de que é a lei ordinária o instrumento que deve definir as regras tributárias, cabendo aos órgãos administrativos, por meio das normas infralegais, tratarem tão somente dos procedimentos necessários à aplicação das referidas regras.
Normas infralegais não têm o poder de alteração, de ampliação e/ou de restrição de diretos adquiridos por força de lei.
Diante do exposto, cabe às empresas avaliarem o impacto produzido pelas novas restrições em seu incentivo fiscal do PAT e estudarem a viabilidade de discussão judicial do tema, que já conta com precedentes favoráveis.