Por Tainah Mari Amorim Batista
Advogada
O sistema da não cumulatividade, para as contribuições ao PIS e a COFINS, foi introduzido pelo parágrafo 12 do art. 195 da Constituição Federal, o qual estabeleceu a possibilidade do legislador determinar para quais setores de atividade econômica as referidas contribuições seriam não cumulativas.
Por sua vez, as leis reguladoras das citadas contribuições (Leis 10.637/02 e 10.833/03), passaram a estabelecer a incidência não cumulativa de tais contribuições, adotando, no entanto, regime de apuração diferente daquele historicamente aplicado para o ICMS e o IPI, onde o imposto incidente em cada operação é compensado com o montante cobrado na etapa anterior.
No caso do PIS e da COFINS, restringiu-se a apuração não cumulativa, autorizando o aproveitamento de créditos relativos apenas a determinados bens e serviços adquiridos, bem como custos, despesas e encargos específicos, dentre os quais os insumos e, originalmente, as despesas financeiras.
Com o advento da Lei 10.865/2004, as despesas financeiras foram suprimidas do rol de créditos passíveis de dedução.
Em contrapartida, estabeleceu o artigo 27 da referida lei que o Poder Executivo poderia restabelecer o direito ao desconto dos créditos relativos às despesas financeiras, bem como reduzir as alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelos contribuintes sujeitos ao regime da não cumulatividade.
Ato contínuo à promulgação da Lei 10.865/04, foi editado o Decreto 5.164/04, que reduziu a zero as alíquotas do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras.
Com claro propósito de restabelecer o equilíbrio tributário almejado pelo princípio da não cumulatividade, estabeleceu-se que, ao mesmo passo em que os contribuintes não podiam descontar os créditos oriundos de despesas financeiras, não mais se submeteriam à exigência de pagamento de PIS e COFINS sobre receitas financeiras.
Tal situação de equilíbrio perdurou até 2015, quando da edição do Decreto 8.426, que apesar de restabelecer a exigência do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras, não autorizou o creditamento das despesas financeiras.
Com isso, a cadeia produtiva passou a ser indiretamente onerada com incidência cumulativa do PIS e da COFINS, na medida em que as receitas financeiras passaram a servir de base para apuração das contribuições devidas. Porém, as despesas financeiras não poderiam ser creditadas, evidenciando franco descompasso com o sistema da não cumulatividade.
De plano, é necessário lembrar que o §12 do art. 195 da CF/88, berço constitucional do sistema não cumulativo do PIS e da COFINS, determina expressamente a possibilidade de limitação da não cumulatividade apenas quanto aos setores da economia e não quanto ao tipo de despesas.
Logo, se determinado contribuinte se encontra, em razão de sua atividade econômica, submetido aos ditames das Leis 10.637/02 e 10.833/03, faz este, por certo, jus à não cumulatividade na apuração de tais contribuições, inclusive quanto às despesas financeiras.
Isto porque, definidos os setores afetados pela sistemática da não cumulatividade, deve tal regime ser aplicado de forma integral, sendo inadmissível selecionar quais despesas podem ou não gerar direito creditório, sob pena de distorção, e consequente violação, ao disposto no §12 do art. 195 da CF/88, e ainda às próprias Leis 10.637/02 e 10.833/03.
Não se pode, outrossim, esquecer que a não cumulatividade, em sua essência, busca evitar a tributação em cascata, de forma que, sob tal regime, a apuração dos tributos deve ocorrer mediante dedução dos créditos relativos às despesas incorridas com bens e serviços necessários à consecução do processo produtivo, os chamados insumos, cuja dedutibilidade encontra-se prevista nas Leis 10.637/02 e 10.833/03.
Em recente julgamento ao Recurso Especial 1.221.170/PR, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ consolidou entendimento no sentido de que deve ser considerado insumo o que for essencial ou relevante ao desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte.
Por seu turno, as despesas financeiras são majoritariamente oriundas de empréstimos e outros financiamentos, contraídos para obtenção de recursos financeiros necessários não apenas para manutenção das atividades operacionais (especialmente em momentos de crise econômica), como também para modernização e expansão comerciais, indispensáveis à sobrevivência de qualquer empresa.
Assim, alinhado à atual posição do STJ, nada nos parece mais essencial e relevante à atividade produtiva do que os recursos financeiros e, consequentemente, as despesas financeiras das quais sua obtenção decorrem, de forma que estas estariam inseridas no conceito de insumo e, portanto, passíveis de dedução.
Não se pode ainda ignorar que há evidente relação de subordinação entre a tributação das receitas financeiras e a dedutibilidade das despesas financeiras, estando a imposição de uma condicionada ao restabelecimento da outra, como determina o princípio da não cumulatividade, e resta evidenciado pela interpretação do art. 27, caput e §2º, da Lei 10.865/04.
Acerca do tema, a 22ª Vara da Justiça Federal de São Paulo proferiu recente decisão reconhecendo o direito de uma empresa deduzir os créditos relativos a despesas financeiras. Consignou-se em tal julgamento que o ordenamento constitucional vigente não suporta regime de tributação híbrido (parte cumulativo e parte não cumulativo), razão pela qual se concluiu pela inconstitucionalidade da vedação ao creditamento das despesas financeiras para apuração do PIS/COFINS não cumulativos.
Embora controversa, verifica-se que a discussão relativa ao aproveitamento dos créditos oriundo das despesas financeiras está amparada em sólidos argumentos, mostrando-se pertinente a busca dos contribuintes por amparo judicial, especialmente diante do restabelecimento da tributação das receitas financeiras.