Por Luciano Nutti
Sócio-Diretor Consultoria – Impostos Diretos
Athros Auditoria e Consultoria
É bastante comum, no mundo corporativo, a aquisição de empresas. Os objetivos dessas aquisições são inúmeros, os quais estão comumente ligados à necessidade de aumento da participação no mercado em que atuam e/ou ao interesse na exploração de um novo nicho de mercado.
Independentemente dos motivos que levam as empresas a essas aquisições, há diversos impactos a elas relacionados. As peculiaridades que envolvem o tema são inúmeras, sem dúvida. Trataremos aqui de um ponto bastante específico e polêmico, o qual está relacionado aos impactos da mais-valia e goodwill após a incorporação dessas empresas adquiridas.
Com a convergência das normas contábeis brasileiras às normas internacionais de contabilidade (IFRS), o custo de aquisição do investimento passou a ter o seguinte desdobramento:
- valor de patrimônio líquido da investida;
- mais-valia (ou menos-valia), que corresponde à diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor do Patrimônio Líquido da investida;
- ágio por rentabilidade futura (goodwill), que corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o somatório dos valores anteriores.
Nos moldes da legislação societária e tributária, o valor da mais-valia deve ser baseado em laudo elaborado por perito independente, popularmente conhecido como “Laudo PPA” (Purchase Price Allocation), qual deverá ser registrado (na RFB ou em cartório, neste último somente um sumário) até o último dia útil do 13º mês subsequente ao da aquisição da participação societária. O não atendimento a esse requisito, dentre outros existentes, implica na perda dos benefícios tributários a seguir tratados.
Feitas essas considerações iniciais, passemos então ao ponto principal a ser tratado nesta matéria, o qual dá origem a uma grande polêmica, conforme veremos adiante.
O Pronunciamento Técnico CPC 15 – Combinação de Negócios determina que, na aquisição do investimento, a mais-valia deve ser apurada líquida dos Impostos Diferidos (34% a título de IRPJ e CSLL). Seguindo essa orientação, vejamos como ficaria uma aquisição de empresa com os dados abaixo.
- Valor de aquisição: MR$ 850.000
- Valor do PL da investida: MR$ 300.000
- Valor justo dos ativos líquidos da investida: MR$ 650.000
Assim, teríamos o seguinte desdobramento na aquisição do investimento:
Ora, se o goodwill, nessa equação, é apurado por diferença, conforme determinam as normas contábil e tributária, podemos afirmar que a constituição de impostos diferidos sobre a mais-valia afeta diretamente o valor do goodwill.
Para demonstrar esse efeito de forma cristalina, se a mais-valia fosse considerada pelo seu valor bruto, teríamos o seguinte:
Nos moldes do artigo 431 do RIR/18, são estes os impactos da Mais-Valia após incorporação:Na aquisição do investimento, a constituição de passivos fiscais diferidos (IRPJ e CSLL) faz algum sentido, visto que realização da mais-valia (depreciação/amortização dos ativos que a originaram) deve ser adicionada ao lucro líquido para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL. Contudo, após a incorporação, isso não mais ocorre, conforme veremos adiante.
- A realização da mais-valia passará a ser dedutível, desde que o bem esteja relacionado com as atividades operacionais (constantes no objeto social) da empresa;
- Os saldos controlados na parte B do e-Lalur e do e-Lacs, relativos à realização da mais-valia ocorrida até a data da incorporação e devidamente adicionados nas apurações do IRPJ e CSLL, poderão ser excluídos;
- É vedada a exclusão do saldo da mais-valia quando o bem já tiver sido objeto da alienação ou de baixa na data da incorporação.
Ora, se a mais-valia passa a ser dedutível pela realização dos ativos que a originaram, além de ser permitida a exclusão da parte até então adicionada (com exceção feita apenas aos bens já alienados), o IRPJ e CSLL diferidos sobre a mais-valia deixam de fazer sentido.
No que concerne ao goodwill, nos moldes do artigo 433 do RIR/18, poderá ser amortizado no prazo mínimo de cinco anos (60 meses) após a incorporação.
A pergunta que não quer calar é a seguinte: o valor do goodwill deve sofrer alteração, contábil e fiscalmente, pelo fato de não mais fazer sentido o IRPJ e CSLL diferidos sobre a mais-valia (lembrando que, conforme demonstramos nas equações acima, ele é apurado por diferença)?
Se considerarmos o exemplo numérico acima, temos uma diferença de MR$ 550.000 entre o custo de aquisição do investimento (MR$ 850.000) e o valor do PL da investida (R$ 300.000).
Vejamos então como ficaria o “benefício fiscal” total, correspondente à mais-valia e goodwill nas duas hipóteses (alterando ou não o valor do goodwill):
Pela demonstração numérica acima, resta cristalino que, se não alterarmos o valor do goodwill, o benefício fiscal que seria tomado superaria a diferença entre o custo de aquisição do investimento (MR$ 850.000) e o valor do PL da investida (R$ 300.000), ao passo que, alterando o valor do goodwiil, o valor do benefício corresponderá exatamente ao montante do “ágio pago na aquisição do investimento” (MR$ 550.000).
Uma outra forma de encarar, de modo que o benefício fiscal não seja majorado, seria carregar os ativos para a incorporadora pelo valor líquido dos impostos diferidos (no exemplo acima, MR$ 231.000), mantendo assim o valor do goodwill em R$ 319.000. Contudo, esse procedimento, a meu ver, não faria muito sentido.
Há ainda uma outra linha de intepretação, mantendo o goodwill pelo valor apurado nos moldes da norma contábil (no exemplo acima, MR$ 319.000), mantendo a realização dos ativos (mais-valia) pelo seu valor bruto (no exemplo acima, MR$ 350.000).
Embora haja de fato uma lacuna na norma contábil e tributária em relação a esse ponto, esse último posicionamento, a meu ver, seria extremamente arrojado. Há quem defenda, contudo, a sua aplicação, na ideia de que o goodwill foi formado pelas regras contábeis, não havendo disposição que verse sobre referida alteração do goodwill, seja de natureza contábil ou tributária.
Obviamente, a decisão sempre caberá à empresa, de acordo com seu perfil mais conservador ou mais arrojado, mas certamente esse último poderá gerar questionamentos por parte das autoridades fiscais, visto que, matematicamente, resta cristalino que parte do benefício teria sido tomado em duplicidade.
O mais importante, nesses casos, é que a decisão seja tomada de forma consciente, ponderando os prós e contras, e devidamente compartilhada com a administração da empresa, evitando assim eventuais dissabores no futuro.