Audrey Tiemi Yogui
Sócia-Supervisora Auditoria
Athros Auditoria e Consultoria + SFAI
A aquisição de empresas controladas exige cuidados técnicos e regulatórios, entre os quais se destaca a obrigatoriedade da alocação do preço de aquisição, conhecida como PPA (Purchase Price Allocation). Essa exigência possui impactos relevantes tanto na esfera contábil/societária, quanto na esfera fiscal.
Do ponto de vista contábil, a alocação do preço de aquisição está fundamentada no Pronunciamento Técnico CPC 15 (R1) – Combinação de Negócios, que determina os critérios para reconhecimento e mensuração de ativos identificáveis adquiridos, passivos assumidos e eventual ágio por expectativa de rentabilidade futura, conhecido como goodwill.
O CPC 15 (R1), item 5, cita:
“A aplicação do método de aquisição exige:
- (a) identificação do adquirente;
- (b) determinação da data de aquisição;
- (c) reconhecimento e mensuração dos ativos identificáveis adquiridos, dos passivos assumidos e das participações societárias de não controladores na adquirida; e
- (d) reconhecimento e mensuração do ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) ou do ganho proveniente de compra vantajosa.”
Esse processo contábil, citado acima, envolve a identificação dos ativos e passivos da empresa adquirida com base em seus valores justos, e também, o reconhecimento de ativos intangíveis que não estavam previamente registrados, como: marcas, patentes, tecnologia e carteira de clientes.
A diferença entre o valor pago pela aquisição e o valor justo líquido dos ativos e passivos identificáveis representa o goodwill. O goodwill, conforme o CPC 01 – Redução ao Valor Recuperável, não é amortizado, mas está sujeito a testes de recuperabilidade periódicos (impairment), a fim de assegurar que seu valor contábil não exceda seu valor recuperável.
Na esfera fiscal, a obrigatoriedade do laudo técnico de alocação do preço está prevista no artigo 421 do Decreto nº 9.580/2018:
“O contribuinte que avaliar investimento pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20, caput, incisos I ao III):
I – valor de patrimônio líquido na época da aquisição, observado o disposto no art. 423 ;
II – mais ou menos-valia, que corresponde à diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor de que trata o inciso I do caput ; e
III – ágio por rentabilidade futura ( goodwill ), que corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o somatório dos valores de que tratam os incisos I e II do caput .
§ 1º Os valores de que tratam o inciso I ao inciso III do caput serão registrados em subcontas distintas ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20, § 1º ).
§ 2º O valor de que trata o inciso II do caput terá como base laudo elaborado por perito independente, que será protocolado na Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda ou cujo sumário será registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos até o último dia útil do décimo terceiro mês subsequente ao da aquisição da participação ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20, § 3º ).”
A elaboração do PPA é importante para garantir o direito à dedutibilidade do ágio para fins de apuração do lucro real. A ausência do laudo pode levar a não aceitação dessa dedutibilidade, o que impacta diretamente e significativamente a carga tributária da empresa adquirente.
Ainda na esfera tributária, o ágio poderá ser amortizado em até 1/60 por mês, desde que, após a aquisição, ocorra uma operação societária de incorporação, fusão ou cisão entre adquirente e adquirida. Para que essa amortização seja aceita pela Receita Federal, é indispensável que o PPA, esteja devidamente formalizado, com todas as informações/segregações citadas acima.
Outro ponto importante a ser abordado, é a operação de quando uma empresa adquire participação adicional em uma investida sobre a qual já detinha o controle. Este artigo também explora se é necessária a elaboração de um Laudo de Alocação do Preço de Compra (PPA) adicional, nesses casos, sob a luz das normas brasileiras de contabilidade.
O CPC 15 (R1), item B5, define uma combinação de negócios como “a operação ou outro evento por meio do qual um adquirente obtém o controle de um ou mais negócios. Assim, o critério principal para aplicação do CPC 15 é a obtenção de controle.
Com isso, quando uma empresa que já detém o controle e realiza uma nova aquisição de participação societária (complemento de participação), na mesma entidade, a operação não é mais uma combinação de negócios, mas sim uma transação entre sócios, sem que ativos e passivos sejam reavaliados e que se reconheça novo ágio contábil com base na expectativa de rentabilidade futura (goodwill).
Ou seja, do ponto de vista contábil, não é permitida a elaboração de um novo PPA para alocação do valor transacionado. Nesses casos, a Entidade que detém o controle e fez uma nova aquisição (complemento), portanto, o controle já existia antes dessa operação e não houve mudança de controle após o complemento de aquisição do negócio.
O ICPC 09, que trata das Demonstrações Contábeis Individuais, Demonstrações Separadas, Demonstrações Consolidadas e Aplicação do Método da Equivalência Patrimonial, também reforça sobre a variação de porcentagem de participação em controladas. Veja os trechos dos itens 64 a 67:
“64. Depois de adquirido o controle da entidade, ambas passam a fazer parte do mesmo grupo econômico e essa entidade econômica é obrigada, pelo Pronunciamento Técnico CPC 36 – Demonstrações Consolidadas, bem como pelas normas internacionais de contabilidade, a elaborar e apresentar demonstrações consolidadas como se fossem uma única entidade. Deve haver a devida evidenciação da parcela do patrimônio e do resultado pertencente aos que são sócios apenas nas controladas, mas não na controladora (chamados de sócios não controladores), mas por esse mesmo Pronunciamento Técnico CPC 36 e por essas mesmas normas internacionais de contabilidade, o patrimônio líquido deve ser considerado pelo seu todo e o resultado líquido também. A participação dos não controladores é parcela integrante do patrimônio líquido da entidade consolidada, logo, transacionar com os sócios não controladores é transacionar com sócios desse mesmo patrimônio líquido.”
“65. Como decorrência do item anterior, as negociações subsequentes em que a controladora adquire, dos sócios não controladores desse mesmo patrimônio, novos instrumentos patrimoniais (ações ou cotas, por exemplo) de uma controlada, passam a se caracterizar como sendo transações entre a entidade e seus sócios, a não ser que seja uma alienação de uma investidora que caracterize a perda de controle de sua controlada. Ou seja, trata-se de operações que se assemelham àquela em que a entidade adquire ações ou cotas de seus próprios sócios.”
“66. Por isso o Pronunciamento Técnico CPC 36 requer, em seus itens 23 e 24, que as mudanças na participação relativa da controladora sobre uma controlada que não resultem na perda de controle devem ser contabilizadas como transações de capital (ou seja, transações com sócios, na qualidade de proprietários) nas demonstrações consolidadas. Em tais circunstâncias, o valor contábil da participação da controladora e o valor contábil da participação dos não controladores devem ser ajustados para refletir as mudanças nas participações relativas das partes na controlada. Qualquer diferença entre o montante pelo qual a participação dos não controladores tiver sido ajustada e o valor justo da quantia recebida ou paga deve ser reconhecida diretamente no patrimônio líquido atribuível aos proprietários da controladora, e não como resultado. “
“67. Portanto, se a controladora adquirir mais ações ou outros instrumentos patrimoniais de entidade que já controla, deve considerar a diferença entre o valor de aquisição e o valor patrimonial contábil adquirido em contrapartida do seu patrimônio líquido (individual e consolidado), semelhantemente, por exemplo, à compra de ações próprias (em tesouraria). No caso de alienação, desde que não seja perdido o controle sobre a controlada, a diferença também deve ser alocada diretamente ao patrimônio líquido, e não ao resultado.”
Dessa forma, o ICPC 09 corrobora com o entendimento do CPC 15, na questão de que não há nova combinação de negócios, e nova base contábil para reconhecimento de ativos ou passivos adquiridos em caso de aquisição adicional de participação, quando a adquirente possui o controle anterior da empresa adquirida. Sendo que a variação na participação é considerada uma transação entre sócios (transação patrimonial), e não como uma transação operacional.
É importante destacar que, sob a ótica fiscal, a Lei 12.973/14, ou outra norma, não tratou especificamente da aquisição de participação societária adicional por pessoa jurídica controladora.
Assim, juristas defendem, que não havendo regramento tributário específico, devem ser aplicadas as regras gerais quanto à segregação do custo de aquisição em mais ou menos valia de ativos, goodwill ou compra vantajosa.
Ou seja, seria mais uma hipótese onde a norma contábil se distância da regra fiscal.
O CPC 15 (15) também menciona sobre combinação de negócios realizada em estágios, modalidade na qual a Entidade adquire o controle de outra em etapas sucessivas, ou seja, inicialmente adquire uma participação minoritária e, posteriormente, passa a deter o controle. Essa modalidade de combinação de negócios não foi objeto deste artigo e possui tratativa diferenciada de quando há uma aquisição de controle direto.
Devido aos inúmeros desdobramentos envolvendo o tratamento tributário diferente do tratamento contábil, sugerimos uma minuciosa avaliação em cada caso concreto. Voltando ao ponto da elaboração de laudo de alocação do preço de aquisição (PPA), reiteramos que não se trata apenas de uma formalidade contábil, mas de uma exigência com efeitos concretos na apuração de tributos e na conformidade regulatória das operações de combinação de negócios. A ausência de um laudo técnico bem fundamentado pode comprometer a eficiência tributária e expor a empresa a riscos fiscais. Diante disso, é altamente recomendável que empresas que realizam aquisições de controladas contem com apoio especializado para a elaboração do laudo de PPA, assegurando não apenas o cumprimento das normas contábeis e fiscais, mas também a integridade e a transparência de suas demonstrações financeiras.