O novo cenário dos Preços de Transferência no Brasil

Luciano Nutti
Sócio-diretor da área de Consultoria Tributos Diretos
Athros Auditoria e Consultoria + SFAI

As regras dos Preços de Transferência (Transfer Pricing) no Brasil foram introduzidas no ano de 1997, por intermédio da Lei 9.430/96, com o objetivo de evitar o superfaturamento nas operações de importação e/ou o subfaturamento nas operações de exportação, praticadas entre pessoas vinculadas, paraísos fiscais e/ou países que oponham sigilo de composição societária, regimes fiscais privilegiados, além das chamadas interpostas pessoas (intermediárias entre operações com duas ou mais empresas vinculadas).

Desde sua vigência, até o final de 2023 (2022 para os contribuintes que exerceram a adoção antecipada em 2023), as alterações foram pontuais, sendo que a mais significativa, até então, havia sido a unificação do método PRL – Preço de Revenda menos Lucro (anteriormente PRL 20% e PRL 60%, aplicáveis à revenda e industrialização, respectivamente), momento em que foram eliminadas também as distorções existentes entre a metodologia da Lei e sua normatização (Instrução Normativa 243/02), minimizando substancialmente as discussões judiciais sobre o tema.

Embora existisse uma quantidade razoável de métodos, havia, indiscutivelmente, dificuldade prática na aplicação da grande maioria deles, seja porque se pautavam em situações que nem sempre ocorriam (a exemplo do PIC, nas importações, e PVEX, nas exportações, pela necessidade de haver a “operação comparável”), ou ainda, por dependerem de informações de difícil obtenção, a exemplo do CPL na importação, em que era necessária, para sua aplicação, a obtenção dos custos de produção incorridos no exterior.

Embora tais dificuldades fossem visíveis na metodologia anterior, havia, por outro lado, um modelo objetivo, com margens fixas, e as empresas já estavam “acostumadas” aos desafios enfrentados com o tema.

A partir de 2024 (ou 2023, para as empresas que exerceram a opção de adoção antecipada), contudo, o cenário mudou radicalmente. Desde o ano de 2017, já havia um pleito para o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, passando o País, desde então, por várias etapas para sua concretização. Como parte dessa jornada, as regras de Preços de Transferência careciam de mudanças significativas, em alinhamento às diretrizes do referido órgão internacional.

Em dezembro de 2021, por conta de uma alteração na legislação americana, surgiu a necessidade de alterar a velocidade dos acontecimentos. O Tesouro Americano, através da TD 9959/22, alterou as regras de compensação de imposto pago/retido no exterior, criando algumas restrições para sua utilização no País. A norma americana impôs, inclusive, que o país estrangeiro adotasse o princípio Arm’s Length nas regras internas de preços de transferência, para que os créditos de imposto de renda retidos na fonte pudessem ser aproveitados.

No apagar das luzes do ano de 2022, foi publicada a Medida Provisória nº 1.152, que posteriormente seria convertida na Lei nº 14.596, de 14/06/23, introduzindo assim as novas regras dos Preços de Transferência no Brasil. Em setembro de 2023, foi publicada a Instrução Normativa RFB nº 2.161/23, regulamentando a referida Lei.

O princípio norteador das novas regras dos Preços de Transferência no Brasil é o Arm´s Lenght, seguindo as diretrizes da OCDE.De acordo com referido princípio, as operações entre empresas vinculadas, pertencentes ao mesmo grupo econômico, devem ser tratadas como se fossem entre empresas independentes.

Nesse sentido, a referida IN 2.161/23, em seu artigo 2º, determinou que os termos e as condições de uma transação controlada devem ser estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis, e que eventual inobservância a essa premissa implica na realização de ajustes, o quais podem ocorrer de 3 formas:

  • – ajuste espontâneo: efetuado pela pessoa jurídica brasileira diretamente na apuração da base de cálculo dos tributos, com vistas a adicionar os resultados que seriam obtidos seguindo o princípio Arm´s Lenght;
  • – ajuste compensatório: efetuado pelas partes da transação controlada até o encerramento do ano-calendário para ajustar seu valor, de forma que o resultado obtido seja equivalente ao que seria obtido com a adoção do princípio Arm´s Lenght;
  • ajuste primário: efetuado pela autoridade fiscal para adicionar à base de cálculo dos tributos os resultados que seriam obtidos com a adoção do princípio Arm´s Lenght;

Os métodos de cálculo também sofreram alteração relevante. Não mais há distinção entre métodos de importação e exportação e, embora alguns métodos tenham sido “mantidos”, pode-se afirmar que sua aplicação é totalmente diferente. Ademais, houve ainda a inclusão de outros. Temos assim os seguintes métodos nas novas regras:

  • – Preço Independente Comparável – PIC;
  • – Preço de Revenda menos Lucro – PRL; 
  • – Custo mais Lucro – MCL;
  • – Margem Líquida da Transação – MLT;
  • – Divisão do Lucro – MDL; e
  • – outros métodos, desde que a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas.

Frise-se, contudo, que o contribuinte não mais deve adotar o método que lhe é mais favorável (menor ajuste), mas sim o “método mais apropriado”, assim considerado aquele que forneça a determinação mais confiável dos termos e das condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em uma transação comparável, considerados, ainda alguns aspectos, como:

  • – fatos e as circunstâncias da transação controlada e a adequação do método em relação à natureza da transação;
  • – a disponibilidade de informações confiáveis de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas necessárias à aplicação consistente do método; e
  • – o grau de comparabilidade entre a transação controlada e as transações realizadas entre partes não relacionadas, incluídas a necessidade e a confiabilidade de se efetuar ajustes para eliminar os efeitos de eventuais diferenças entre as transações comparadas.

Outra alteração significativa diz respeito ao aumento das operações sujeitas às regras, visto que qualquer tipo de transação financeira ou comercial passa a ser controlada, enquanto as regras anteriores alcançavam apenas bens (tangíveis), serviços e direitos. Nos moldes da IN 2.161/23, as seguintes operações estão abarcadas pelo novo regramento:

  • – transação com bens tangíveis, incluindo as commodities;
  • – transação envolvendo intangíveis;
  • – serviços de qualquer tipo;
  • – contratos de compartilhamento de custos;
  • – reestruturação de negócios, incluindo o encerramento ou renegociação das relações comerciais ou financeiras;
  • – operações financeiras, incluindo as operações de dívida, garantias intragrupo, acordos de gestão centralizada de tesouraria e contratos de seguro;
  • – transações que tenham por objeto a disposição ou transferência de ativos, incluindo ações e outras participações, ainda que ocorram em operações de devolução ou subscrição de capital; e
  • – qualquer venda, cessão, empréstimo, locação, licenciamento, antecipação e contribuição.

Houve ainda uma ampliação do conceito de partes relacionadas, se tornando ainda mais abrangente, comparado ao conceito anterior.

Outro ponto relevante é que, além das informações prestadas na ECF, o contribuinte deve ainda entregar às autoridades fiscais locais os chamados Arquivo Global (Master File) e Arquivo Local (Local File), por meio do e-CAC, excepcionalmente em dezembro do ano seguinte, para os anos de 2024 e 2023 (na hipótese de adoção antecipada). A partir do próximo ano, o prazo de envio passa a ser o 3º mês subsequente ao mês de entrega da ECF.

Referidos arquivos serão dispensados aos contribuintes com transações controladas inferior a R$ 15.000.000,00. Para os contribuintes com operações controladas entre 15.000.000,00 e R$ 500.000.000,00, embora obrigados à referida documentação, haverá certa flexibilização/simplificação.

Há inúmeros outros pontos que poderiam ser abordados nessa matéria, mas o objetivo não é esgotar o tema, até porque ele é recheado de particularidades. O principal objetivo é conscientizar o leitor quanto a essa “revolução” no cenário de Preços de Transferência no Brasil, pois temos visto, na prática, que muitas empresas ainda não se deram conta da complexidade envolvida no tema.

Não obstante a essa complexidade, as novas regras de Preços de Transferência representam um avanço significativo, e certamente garantirá aos contribuintes uma tributação mais justa nas operações entre partes relacionadas, eliminando inúmeras distorções existentes nas regras anteriores.

Embora os ajustes ocorram somente no encerramento do ano-calendário, o processo de implementação pode ser moroso. Não deixe para a última hora e evite eventuais penalidades, dentre outros dissabores.

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