Pedro Cesar da Silva
CEO
Athros Auditoria e Consultoria + SFAI
Março – 2024
A tributação das subvenções governamentais tem sido objeto de polêmica e judicialização há décadas. Mais recentemente, a edição da Lei 14.789/23 tornou o tema anda mais relevante.
Nesse contexto, este artigo tem como objetivo destacar os principais aspectos contábeis inerentes às receitas com subvenções, tendo em vista as disposições contidas no CPC 7 – Subvenção e Assistência Governamentais.
Antes da convergência das normas contábeis brasileiras às normas internacionais, iniciada com a edição da Lei 11.638/07, as subvenções governamentais eram registradas diretamente no patrimônio líquido, em conta de reserva de capital.
Após aludida alteração, as subvenções governamentais passaram a ser tratadas como receitas.
Nesse sentido, não é demais lembrar o conceito de receita previsto no item 4.25 do CPC 00- Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro. Vejamos:
“Os elementos de receitas e despesas são definidos como segue: (a) receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos detentores dos instrumentos patrimoniais”.
O CPC 07 justifica que o tratamento contábil da subvenção governamental como receita deriva do fato de ser recebida de uma fonte que não os acionistas, e deriva de ato de gestão em benefício da entidade. Assim, não deve ser creditada diretamente no patrimônio líquido, mas sim reconhecida como receita nos períodos apropriados. Ademais, a subvenção governamental raramente é gratuita. Dessa forma, o reconhecimento da receita deve ocorrer quando a beneficiária cumpre as regras das subvenções e determinadas obrigações, ou seja, as subvenções devem ser reconhecidas como receita, na demonstração do resultado, nos períodos ao longo dos quais a entidade reconhece os custos relacionados à subvenção.
A Lei 11.638/07 preocupou-se em possibilitar tratamento diferenciado para os valores registrados como receita de subvenção e, assim, alterou a Lei das Sociedades Anônimas, incluindo o art. 195- A, o qual determina que a assembleia geral poderá, por proposta dos órgãos de administração, destinar para a reserva de incentivos fiscais a parcela do lucro líquido decorrente de doações ou subvenções governamentais para investimentos, que poderá ser excluída da base de cálculo do dividendo obrigatório.
Nesse contexto, para compatibilizar o sistema tributário com as normas contábeis, foi mantida a não incidência de tributos sobre as receitas de subvenção, em relação aos valores que fossem considerados na constituição da aludida reserva de incentivos fiscais, possuindo a natureza de reserva de lucros (art. 30 da Lei 12.973/14) e não mais de reserva de capital, como anteriormente.
Segundo o CPC 07, subvenção governamental é uma assistência governamental geralmente na forma de contribuição de natureza pecuniária, mas não só restrita a ela, concedida a uma entidade normalmente em troca do cumprimento passado ou futuro de certas condições relacionadas às atividades operacionais da entidade.
A norma é taxativa quanto ao fato de a subvenção governamental não poder ser creditada diretamente no patrimônio líquido. Ademais, faz uma distinção entre subvenções relacionadas a ativos e a resultado.
A primeira hipótese refere-se a subvenções governamentais cuja condição principal para que a entidade se qualifique é a de que ela compre ou construa ativos.
Já as subvenções relacionadas a resultado são as outras subvenções governamentais que não aquelas relacionadas a ativos, ou seja, que visam auxiliar no fluxo de caixa ordinário da empresa.
Entendo que aquelas relacionadas com ativos são as que historicamente denominamos subvenções para investimentos, e as demais são aquelas que denominamos como subvenção para custeio.
Quanto ao reconhecimento contábil, a norma condiciona a existência de razoável segurança de que: (a) a entidade cumprirá todas as condições estabelecidas e relacionadas à subvenção; e (b) a subvenção será recebida.
Assim, a subvenção governamental não deve ser reconhecida até que exista uma razoável segurança de que a entidade cumprirá todas as condições estabelecidas e a ela relacionadas, e de que ela será recebida.
Até mesmo o recebimento da subvenção, isoladamente, não é prova conclusiva de que as condições a ela vinculadas tenham sido ou serão cumpridas.
Visando confrontar as receitas e despesas, a subvenção governamental deve ser reconhecida como receita ao longo do período e confrontada com as despesas que pretende compensar. Ou seja, a depender da natureza do incentivo, será inicialmente reconhecido em conta de ativo (representando o ativo não monetário recebido) em contrapartida de uma conta do passivo (representando a obrigação assumida de atender determinadas condições perante a entidade Governamental). Após o reconhecimento inicial, o ativo não monetário será depreciado e o passivo baixado para o resultado, em conta representativa de receita de subvenção, na mesma proporção da depreciação.
Mesmo na hipótese de um ativo não monetário corresponder a um terreno (não sujeito à depreciação), deverá ser estabelecida uma sistemática para baixar o passivo para o resultado. Essa sistemática deve estar vinculada com o atendimento dos compromissos assumidos perante a entidade Governamental. Assim, por hipótese, se o compromisso for construir no terreno uma unidade industrial, o passivo deve ser apropriado como receita na mesma proporção da depreciação dessa planta.
Há incentivos e benefícios, contudo, que não estão vinculados ao cumprimento de obrigações. Esses benefícios podem corresponder, por exemplo, a uma isenção aplicável para determinado produto, ou seja, não estão vinculados diretamente a uma pessoa jurídica específica, bastando que a empresa comercialize aquele determinado produto para fazer jus ao incentivo.
Na contabilidade das empresas, exceto para algumas que enquadraram esses benefícios como subvenção, face à legislação anteriormente vigente (art. 30 da Lei 12.973/14, revogado pela Lei 14.789/23), esses são comumente reconhecidos pelo valor líquido no resultado do exercício.
Devido a essas características, entendo que não se trata de benefícios qualificáveis para fins de enquadramento como receita de subvenção e, por consequência, também está afastada da sistemática de crédito prevista na Lei 14.789/23, devendo, por consequência ser mantida a prática contábil atual (reconhecimento no resultado pelo valor líquido).
O entendimento acima, de certa forma, foi respaldado pelo STJ (EREsp nº 1.517.492/PR) quando enfrentou a questão da tributação dos créditos presumidos, diferenciando essa hipótese das demais (isenções, redução de base cálculo etc), no sentido de que, em face do princípio federativo, não seria lícito à União tributar, como renda ou lucro, créditos presumidos de ICMS concedidos pelos estados federais, por não constituírem tais créditos propriamente “lucro”, mas incentivo financeiro. Tal construção jurisprudencial não pode ser transplantada para situações outras, que, diferentemente de créditos, não são positivas, mas sim negativas.
Segundo o STJ: “ enquanto os créditos (v. g, créditos presumidos de ICMS) são grandezas positivas, que em tese configurariam receita, o incentivo fiscal de (a) redução de base de cálculo de ICMS e ( b ) redução de alíquota de ICMS são grandezas negativas – decorrentes do exercício, pelo ente tributante, do poder de não tributar (a outra face do poder de tributar) – que, como tais, não poderiam logicamente ser tomadas como receita”.
Devido à relevância do tema, estamos todos ansiosos pelas novas regulamentações a serem editadas pela RFB, bem como pela evolução do tema em nossos tribunais.
Por fim, importante ressaltar que os comentários acima não devem ser vistos como conclusivos, tampouco objetivam alcançar todas as nuances sobre o tema, tratando-se de uma singela contribuição, em especial quanto aos aspectos contábeis aplicáveis às subvenções.