Por Luciano Nutti
Sócio-Diretor Consultoria — Impostos Diretos
Athros Auditoria e Consultoria
A figura dos Juros sobre o Capital Próprio (JSCP) foi introduzida em nosso ordenamento jurídico em 1995 (Lei 9.249/95), com vigência a partir do ano-calendário de 1996, “pegando carona” na extinção da Correção Monetária de Balanço. O objetivo principal foi proporcionar à remuneração dos recursos injetados na empresa pelos sócios o mesmo tratamento tributário dos recursos captados de terceiros, especialmente quanto à dedutibilidade da despesa. A exposição de motivos da referida lei deixou clara essa intenção:
“Com vistas a equiparar a tributação dos diversos tipos de rendimentos do capital, o Projeto introduz a possibilidade de remuneração do capital próprio investido na atividade produtiva, permitindo a dedução dos juros pagos ao acionista, até o limite da variação da Taxa de Juros de Longo prazo – TJLP; compatibiliza as alíquotas aplicáveis aos rendimentos provenientes de capital de risco àquelas pela qual são tributados os rendimentos do mercado financeiro; (…)”
Os JSCP consistem, portanto, em uma forma de remuneração aos sócios pelo capital investido na empresa, calculados com base na aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) sobre o Patrimônio Líquido, especificamente sobre as contas de Capital Social, Reservas de Capital, Reservas de Lucros, Ações em Tesouraria e Prejuízos Acumulados.
Nesses termos, as empresas submetidas à tributação do Lucro Real poderão deduzir, a título de despesa financeira, os JSCP nas bases tributáveis do IRPJ e da CSLL, desde que observado o limite de 50% do lucro líquido do exercício ou de 50% da reserva de lucros (dos dois o maior).
Especialmente em razão da dedutibilidade da despesa, essa alternativa de remuneração aos sócios se demonstra, na grande maioria das vezes, a mais vantajosa das três modalidades de remuneração existentes (pró-labore, distribuição de lucros e JSCP), representando uma interessante ferramenta de planejamento tributário.
Vale lembrar que a Reforma Tributária do Imposto de Renda (Projeto de Lei nº 2.337/21), tão debatida ao longo deste ano, propôs a extinção dos JSCP. O referido projeto de lei, contudo, não avançou, o que já era de certa forma esperado em ano de eleição, em que os esforços se concentram muito mais na política propriamente dita, ficando a economia em segundo plano.
Feito esse introito sobre o tema, o objetivo deste artigo é tratar especificamente da possibilidade de creditamento dos JSCP de forma retroativa, tema muito debatido desde o início de sua origem, mas que se encontrava “esquecido” em razão de jurisprudências desfavoráveis até então.
De antemão convém ressaltar que a Lei 9.249/95 e suas alterações posteriores em nenhum momento trataram dessa vedação quanto ao aspecto temporal. Contudo, o § 4º do artigo 75 da Instrução Normativa nº 1.700/17 (normatização atual sobre o tema) dispôs o seguinte:
“§ 4º A dedução dos juros sobre o capital próprio só poderá ser efetuada no ano-calendário a que se referem os limites de que tratam o caput e o inciso I do § 2º.”
Referida limitação por meio de Instrução Normativa não possui qualquer fundamentação jurídica, visto que a Receita Federal do Brasil (RFB) não pode simplesmente impor aos contribuintes situação não prevista em lei, em face da hierarquia das normas.
O argumento majoritariamente utilizado pelas autoridades fiscais para vedar a apropriação atemporal dos JSCP diz respeito à suposta inobservância ao regime de competência, defendendo que a apropriação deve obedecer a duas premissas: (i) data da efetiva deliberação; e (ii) elementos próprios (bases) do período a que se referem. Um segundo argumento utilizado pela RFB é que, diferentemente da distribuição de dividendos, os JSCP são facultativos, tendo o contribuinte a liberdade de exercer ou não essa faculdade. Não sendo exercida, presume-se então que o contribuinte renunciou ao direito, e consequentemente, à dedutibilidade da despesa em relação àquele período.
Os contribuintes, por sua vez, têm utilizado os seguintes argumentos, dentre outros, para defender a apropriação dos JSCP de forma retroativa, os quais se mostram bastante plausíveis:
i. a limitação temporal não está prevista em lei;
ii. a observância ao regime competência relaciona-se única e exclusivamente ao período de deliberação de crédito/pagamento;
iii. as condições para dedutibilidade se referem tão somente à base de cálculo, e desde que observados os limites impostos pela lei (50% dos lucros acumulados ou do resultado do exercício);
iv. não há renúncia dos JSCP tão somente pela ausência de creditamento em determinado ano-calendário;
Decisão favorável aos contribuintes, desde o início das discussões, não vinha sendo muito comum. Com a grande maioria de decisões contrárias até então, o tema andava “esquecido” e pouco explorado, visto que não mais se acreditava em uma “reviravolta”.
No ano passado, contudo, especificamente no dia 03/09/21, surgia uma luz no fim do túnel. Com um empate de votação (em que prevalece a posição favorável ao contribuinte), a 1ª turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) julgou o tema favoravelmente ao contribuinte, por meio do Acórdão 9101-005.757, nos seguintes termos:
“A dedução dos juros sobre o capital próprio do Lucro Real não está submetida, condicionada ou limitada ao regime de competência, podendo ser feita a redução tais valores da monta do lucro tributável após deliberação pelo seu pagamento ou creditamento, ainda que referentes a períodos anteriores.
O art. 9º da Lei nº 9.249/95, único dispositivo legal que rege a dedução de tal rubrica, apenas exige a apuração lucros pela entidade, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados, naturalmente, a decisão do órgão competente ou a previsão em Instrumento societário para efetuar tal remuneração, devendo, então, ser calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP. Não há limitação dos períodos abrangidos pela deliberação da entidade, devidamente apropriando e deduzindo a despesa correspondente incorrida.
Os normativos e atos infralegais não podem suprimir a amplitude de um regramento previsto pela legislação tributária, inaugurando limitações para a sua aplicação e observância, principalmente quando se trata de norma de apuração de base de cálculo de tributos.”
Situação praticamente idêntica ocorreu mais recentemente, em 13/07/22, em que essa mesma 1ª Turma da CSRF, também por empate de votos, decidiu a favor do contribuinte. Importante ressaltar que a composição da turma nessa ocasião era um pouco diferente da anterior.
Com essa decisão, a luz no fim do túnel brilha mais forte. Se por muitos anos o tema ficou em “banho maria”, especialmente em razão das inúmeras decisões desfavoráveis, essas decisões mais recentes e favoráveis representam uma excelente ferramenta para acalorar as discussões e incentivar os contribuintes a acreditarem novamente no sucesso da causa, seja na esfera administrativa ou judicial, considerando ainda, como já mencionado, que os argumentos são bastante plausíveis.
Obviamente, a decisão de “entrar nessa briga” dependerá dos valores envolvidos, dentre outras questões, mas sem dúvida já é possível afirmar que essa reviravolta pode representar uma boa oportunidade de planejamento tributário para muitas empresas.
Se esse é o caso de sua empresa, a recomendação é de correr enquanto há tempo, pois não se sabe até quando teremos a figura dos JSCP em nosso ordenamento jurídico, considerando a clara intenção de extingui-la.