Um panorama geral sobre as inovações para os empresários e sociedades empresárias

Por Tainah Mari Amorim Batista
Advogada
Godeghese e Silva Advogados Associados

 

O ano de 2021 foi marcado pelo aprofundamento da crise econômica no Brasil. Com poucas alternativas eficazes e diante do impasse na aprovação da reforma tributária, os poderes legislativo e executivo miraram em inovações nas regras aplicáveis aos empresários e sociedades empresárias, visando estimular novos negócios e atrair potenciais investidores.

Assim, em continuidade ao caminho que já havia sido iniciado em 2019, com a promulgação das Leis nº 13.818 e 13.874 (Lei da Liberdade Econômica), relevantes mudanças foram trazidas pela Lei Complementar nº 182, de 01/06/2021, conhecida como Marco Legal das Startups, e pela Lei nº 14.195, de 26/08/2021, esta última fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.040/2021 e conhecida como Lei do Ambiente de Negócios. 

Apesar de promulgadas em 2021, os efeitos práticos de tais leis começaram a ser melhor sentidos neste ano de 2022, justificando um apanhado geral para melhor situar os empresários sobre esse novo cenário do ordenamento jurídico societário.

A Lei Complementar nº 182/2021, cujo carro-chefe é a regulamentação das startups, trouxe em seu bojo relevantes modificações às sociedade anônimas S/A, dentre as quais, destacam-se:

  • Possibilidade da diretoria ter apenas um único diretor (anteriormente a exigência era de no mínimo dois diretores);
  • Faculta às S/A de capital fechado e com receita bruta anual de até R$ 78 milhões realizar as publicações determinadas pela Lei das Sociedades por Ações LSA (Lei nº 6.404/76) de forma eletrônica. Tal disposição foi posteriormente regulamentada pela Portaria ME nº 12.071, de 07/10/2021 e pelas Instruções Normativas DREI nºs 112, de 20/01/2022, e 11, de 09/03/2022, que consignam que as publicações eletrônicas devem ocorrer na Central de Balanços do SPED e na página de internet da própria empresa;
  • Possibilidade da companhia fechada com receita bruta anual de até R$ 78 milhões deliberarem livremente sobre a distribuição de dividendos, se omisso o Estatuto Social sobre o tema, não se aplicando a exigência de pagamento de dividendo mínimo obrigatório;
  • Condições facilitadas para acesso ao mercado de capitais para empresas de menor porte, assim consideradas aquelas cuja receita bruta anual seja inferior a R$ 500 milhões.

As modificações nesse tema promovidas pela Lei nº 14.195/2021 são ainda mais significativas.

Estabelece tal lei que as licenças e alvarás permanecerão válidos até eventual cancelamento ou cassação, sendo ainda que, para atividades com grau de risco médio, o alvará de funcionamento e as licenças serão emitidos automaticamente, mediante assinatura de termo de ciência e responsabilidade pelo empresário, sócio ou responsável legal.

Acompanhando a impressionante expansão do comércio eletrônico durante a pandemia, a Lei nº 14.195/2021 também permite o registro de empresário e sociedade empresária em estabelecimento virtual (ou seja, sem estabelecimento físico), medida que também beneficia os profissionais liberais. É autorizado também o uso do número raiz de inscrição no CNPJ como nome empresarial, acompanhado da partícula identificadora da natureza jurídica da empresa.

Com objetivo de reduzir o custo de registro, a citada lei dispensa a exigência de reconhecimento de firma nos atos arquivados nas juntas comerciais de todo o Brasil.

Referida lei também extingue formalmente as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada, as Eirelis, estabelecendo a transformação automática destas em sociedades limitadas unipessoais, independentemente de modificação do ato constitutivo. 

Salienta-se, no entanto, que tal modificação, na prática, não tem ocorrido automaticamente, conforme prevê a lei, de forma que nas Juntas Comerciais como a de São Paulo e Goiás, por exemplo as empresas outrora constituídas como Eireli continuam sob essa mesma natureza jurídica, situação que se repete no cadastro na Receita Federal do Brasil (CNPJ).

A Lei nº 14.195/21 também pôs fim a uma antiga discussão, estabelecendo expressamente a possibilidade de emissão, por sociedades limitadas e cooperativas, de notas comerciais não conversíveis em participação societária.

Especificamente em relação às S/A as mudanças são ainda mais relevantes. A Lei nº 14.195/21 instituiu a possibilidade de atribuição de voto plural para uma ou mais classes de ações, fixando o limite de dez votos por ação quando se tratar de ações ordinárias. 

Com a criação do voto plural, possibilita-se que os acionistas mantenham o controle da companhia, mesmo sem deter a maioria do capital social, garantindo maior segurança aos fundadores e servindo de estímulo para negociação em mercados organizados.

Cautelosamente, o legislativo estabeleceu o prazo máximo de sete anos para vigência inicial do voto plural, podendo tal prazo ser prorrogado. Foi ainda vedado o uso do voto plural nas deliberações relativas à remuneração de administradores e celebração de transações com partes relacionadas que atendam critérios de relevância estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários CVM.

Em virtude da criação do voto plural, foram ainda introduzidas outras modificações na Lei das S/A para que os quóruns deliberativos passassem a ser considerados com base no total de votos e não mais no capital social, sendo que, nos casos em que for mantida previsão legal de quórum com base em percentual de ações ou do capital social, o cálculo deve desconsiderar a pluralidade de votos.

A Lei nº 14.195/2021 também alterou o prazo de antecedência da primeira convocação de assembleias de sociedade anônima de capital aberto: o prazo original, que era de 15 dias, havia sido alterado para 30 dias pela MP nº 1.040/2021, sendo reduzido para 21 dias de antecedência na conversão da citada lei.

Tal lei também trouxe modificações no tocante a administração das S/As, afastando a exigência dos diretores residirem no Brasil, sendo, no entanto, a posse do administrador residente no exterior condicionada a nomeação de representante residente no país, com mandato de pelo menos três anos após o término do prazo de gestão do administrador.

Reforçando a importância da governança corporativa, foi vedada a acumulação dos cargos de presidente do Conselho de Administração e diretor-presidente. Tal vedação é aplicável somente a partir de 22 de agosto deste ano. É importante lembrar que o Conselho de Administração tem, dentre suas competências, a obrigação de fiscalizar a gestão dos diretores, o que justifica a preocupação do legislador quanto a acumulação dos cargos de presidência de tais órgãos, que pode gerar eventual conflito de interesses.

Referida lei também alterou a Lei da S/As para possibilitar que as companhias de capital fechado substituam seus livros de Registro de Ações, de Transferência de Ações, de Registro e de Transferência de Partes Beneficiárias, de Atas das assembleias e de Presença dos Acionistas, por registros mecanizados ou eletrônicos, conforme regulamentação.

Por fim, também entrou em vigor em janeiro deste ano a alteração ao art. 289 da Lei das S/A, introduzida pela Lei nº 13.818/2019, a qual dispensa a exigência de publicações em diário oficial, mantida a exigência de publicação apenas em jornal de grande circulação na sede da companhia, de forma resumida, com divulgação simultânea na página de internet do mesmo jornal, com certificação de autenticidade. 

Vale destacar que tal disposição não se aplica às companhias de capital fechado com receita bruta anual inferior a R$ 78 milhões, para as quais, como visto, é assegurado realizar as publicações eletronicamente por meio do Sped e na própria página de internet, com base na LC nº 182/2021.

Como se pode notar, o ano 2021 trouxe grandes avanços no tocante ao direito societário. É certo que parte de tais medidas ainda não foram colocadas em prática por questões operacionais dos próprios órgãos públicos ou por falta de regulamentação adequada. 

No entanto, não se pode ignorar que tais novidades buscam propiciar um ambiente de negócios mais convidativo e moderno, estimulando o crescimento dos empresários e empresas brasileiras, a expansão dos seus negócios, trazendo novos investimentos e oportunidades.

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