Por Luciano Nutti
Consultoria Tributária – Impostos Diretos
A Guerra Fiscal entre os Estados da Federação é algo presente há tempos na realidade de nosso País, cada qual buscando atrair investimentos para o seu território por meio de incentivos fiscais, principalmente aqueles relacionados ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS, dentre outros.
Embora a Guerra Fiscal tenha um elevado e inegável grau de nocividade aos negócios em nosso País (por razões diversas), o objetivo deste artigo não é tratarmos dela propriamente dita, mas sim dos reflexos que referidos benefícios fiscais, que dela se originam, têm trazido para os tributos federais, especificamente em relação ao IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
A discussão, ao longo de muitos anos, calcou-se na caracterização jurídica dos incentivos fiscais – “Subvenção para Investimento” versus “Subvenção para Custeio”.
Conceitualmente, se por um lado as subvenções para custeio visam acobertar prejuízos e déficits, as subvenções para investimento, por sua vez, caracterizam-se pela destinação de recursos às empresas, visando à aplicação em sua expansão, implementação de seu parque industrial e desenvolvimento de novas atividades econômicas, dentre outras finalidades do gênero.
Por esta razão, a não comprovação da aplicação dos recursos oriundos destes incentivos fiscais sempre foi um bom motivo para as autoridades fiscais buscarem a descaracterização das Subvenções para Investimento e a consequente tributação destes benefícios.
Neste cenário, embora já houvesse bons argumentos para caracterizar a grande maioria destes incentivos como Subvenção para Investimento, além da existência de precedentes jurisprudenciais favoráveis, a Lei Complementar 160/17 foi o que trouxe maior sustentação a esta interpretação e, como consequência, maior segurança jurídica ao tema.
Isto porque o artigo 9º da referida LC promoveu a inclusão dos §§ 4º e 5º ao artigo 30 da Lei 12.973/14. Vejamos:
“Art. 9o O art. 30 da Lei no12.973, de 13 de maio de 2014, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4o e 5o:
‘Art. 30. (…)
§ 4o Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo.
§ 5o O disposto no § 4o deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.” (Grifamos)
Convém ressaltar que, inicialmente, os artigos 9º e 10 da referida LC haviam sido vetados pelo então Presidente Michel Temer. Contudo, em 08/11/17, o Congresso Nacional, por 380 a 58 votos, derrubou o veto presidencial ao dispositivo transcrito anteriormente. Assim, os artigos 9º e 10 foram publicados no DOU em 22 de novembro de 2017.
O artigo 9º da LC nº 160 é cristalino no sentido de que os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos no artigo 30 da Lei 12.973/2014.
Neste esteio, vejamos o que dispõe o caput do artigo 30 da Lei 12.973/14, objetivando avaliarmos quais os requisitos básicos a serem cumpridos para caracterização da Subvenção para Investimento e sua consequente não tributação nas bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
“Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:
I – absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou
II – aumento do capital social.
§ 1o Na hipótese do inciso I do caput, a pessoa jurídica deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.
§ 2o As doações e subvenções de que trata o caput serão tributadas caso não seja observado o disposto no § 1o ou seja dada destinação diversa da que está prevista no caput, inclusive nas hipóteses de:
I – capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou subvenções governamentais para investimentos;
II – restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitada ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou
III – integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios.
§ 3o Se, no período de apuração, a pessoa jurídica apurar prejuízo contábil ou lucro líquido contábil inferior à parcela decorrente de doações e de subvenções governamentais e, nesse caso, não puder ser constituída como parcela de lucros nos termos do caput, esta deverá ocorrer à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.
(…)” (Grifamos)
Da leitura dos dispositivos acima, podemos concluir que é indiscutível a necessidade de constituição da Reserva de Lucros, nos moldes acima mencionados, para que seja garantida a não tributação no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Não havendo lucro suficiente para constituição da Reserva de Incentivos Fiscais (grupo contábil de Reserva de Lucros), a mesma deve ser constituída à medida em que referidos lucros forem gerados.
Além da constituição da Reserva de Lucros, como podemos ver no dispositivo legal acima citado, outros requisitos são cruciais para manutenção da não tributação destes incentivos na apuração do IRPJ e CSLL, mas todos eles estão baseados em uma única premissa, qual seja, de que tais valores não sejam distribuídos aos sócios, direta ou indiretamente. Assim, desde que sejam cumpridos estes requisitos, não há que ser falar em tributação das Subvenções para Investimento nas apurações de IRPJ e CSLL.
Vale ressaltar que alguns contribuintes acabam abrindo mão da não tributação destes incentivos fiscais nas apurações do IRPJ e CSLL exatamente para tornar os valores passíveis de distribuição aos sócios. Nestes casos, obviamente, não há que se falar também em constituição da Reserva de Lucros.
No que concerne ao PIS e COFINS, também já era possível interpretar que as Subvenções para Investimento não deveriam ser tributadas em suas respectivas bases, simplesmente porque não representam Receita, mas tão somente diminuição de desembolso do ICMS, embora as autoridades fiscais insistissem em contrariar este entendimento, independentemente se atendidos ou não os requisitos necessários ao enquadramento como Subvenção para Investimento.
Entretanto, a Lei 12.973/14 foi categórica em relação à não tributação, nas apurações do PIS e da COFINS, por meio de alterações nas Leis 10.637/02 (PIS) e 10.833/03 (COFINS), ambas dispondo que “não integram a base de cálculo as receitas de subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público”.
É importante notar que, em relação ao PIS e à COFINS, não há formalmente as mesmas exigências constantes do IRPJ e CSLL no que diz respeito à constituição de Reserva de Lucros e não distribuição (direta ou indireta) aos sócios. Isso implica dizer que, na hipótese de não cumprimento daqueles requisitos, em tese os benefícios da não tributação no PIS e COFINS seriam mantidos. Na hipótese de questionamentos neste sentido, certamente haveria bons argumentos para defesa.
Quanto a períodos pretéritos, a LC 160/17 determina, conforme citado acima, que esta interpretação “aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados”.
No que concerne a esta retroatividade, é absolutamente sustentável a interpretação de que este entendimento se aplicaria tanto aos contribuintes que não tributaram tais valores quanto àqueles que ofereceram os incentivos fiscais à tributação, adotando uma postura mais conservadora, sendo possível, neste último caso, a recuperação dos valores indevidamente pagos.
Caminhando um pouco além nesta discussão, se a não tributação se aplica a processos na esfera administrativa ou judicial em andamento, por que não se aplicar também aos casos em que sequer houve processo, e que o contribuinte adotou uma postura mais conversadora, tributando estes incentivos?
Embora a LC não trate deste tema, é inegável a possibilidade de interpretação favorável aos contribuintes neste sentido, o que levaria à possibilidade de recuperação dos valores pagos indevidamente, nos últimos 5 anos, a título de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Por fim, convém ressaltar que há outras discussões sobre o tema, as quais permitiremos suprimir, até porque o objetivo deste artigo não é esgotar o assunto, inegavelmente muito amplo.
De qualquer forma, é indiscutível que a LC 160/17 encerrou a discussão principal sobre o tema, garantindo de fato a não tributação do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre as Subvenções para Investimento, sendo possível, inclusive, pleitear a recuperação de valores indevidamente recolhidos nos últimos 5 anos. Contudo, não se descarta uma “nova temporada” de discussões, visto que nem todos os pontos foram devidamente esclarecidos pela referida Lei Complementar.