Por Isabella Gomes
Sócia-Supervisora da Consultoria de Tributos Diretos
Athros Auditoria e Consultoria
Em junho deste ano, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5422, movida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou fim à tributação pelo imposto de renda pessoa física — IRPF das importâncias recebidas à título de pensão alimentícia, que passam a ser tratadas como rendimentos isentos e não tributáveis.
No entendimento do relator do processo, ministro Dias Toffoli, a pensão alimentícia não representa acréscimo patrimonial para o alimentando, não devendo integrar, portanto, a base de cálculo do IRPF. Outro ponto importante destacado por Toffoli em seu voto é que a incidência do IRPF sobre a pensão alimentícia pode representar bitributação, pois o alimentante, teoricamente, já recolheu imposto sobre a renda que gera o pagamento da pensão.
A União Federal, parte contrária à ADI e principal beneficiária da arrecadação do IRPF, contestou a decisão acima por meio de embargos de declaração, em que pleiteou, inclusive, a modulação dos efeitos da decisão a partir do trânsito em julgado do processo.
Em sessão ocorrida em 30 de setembro, com trânsito em julgado em 05/11/2022, a decisão emanada em junho ficou mantida pelo STF, inclusive sobre a rejeição de modulação dos efeitos, ou seja, a não tributação das pensões alimentícias pode ser aplicada de forma retroativa, observando-se o prazo prescricional de cinco anos.
Todos os ministros acompanharam o voto do relator, que levou em consideração os valores e interesses em conflito na ação e concluiu que os efeitos negativos da tributação superariam as consequências orçamentárias. Assim, por entender que a incidência do IRPF sobre as pensões alimentícias atinge população vulnerável, que não tem sustento próprio, a decisão manteve a possibilidade de devolução dos valores de imposto de renda pagos nos cinco anos anteriores à decisão.
Explanada a tese que envolveu a ação e seu desfecho, vejamos como ficam a partir de agora as questões práticas, para quem recebe a pensão alimentícia e para quem a paga.
A pessoa física que recebe a pensão alimentícia já pode, a partir do fato gerador 10/2022, deixar de recolher o carnê-leão sobre o rendimento, o qual deverá ser informado como isento e não tributável (linha de “outros”) na declaração IRPF 2023, em sua totalidade, ou seja, considerando todo o valor recebido durante o ano de 2022. Todavia, para reaver (via restituição pela declaração) o carnê-leão pago referente aos períodos de apuração de 01/2022 a 09/2022, o contribuinte deverá indicar os valores recolhidos na ficha “Rendimentos Tributáveis Recebidos de Pessoa Física e do Exterior”, na coluna “carnê-leão / Darf Pago 0190”.
Para os cinco anos-calendário anteriores (2017 a 2021), em que a pessoa física declarou os rendimentos recebidos de pensão alimentícia como tributáveis, deverão ser providenciadas as retificações das declarações de IRPF, a fim de que a diferença do imposto possa ser devolvida. Os procedimentos para retificação das declarações são os mesmos mencionados acima para a declaração em curso, quais sejam: o valor de pensão alimentícia declarado como imposto tributável deve ser excluído e informado na opção “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis/Outros”, especificando “Pensão Alimentícia” e as demais informações sobre o imposto pago devem ser mantidas.
A Receita Federal do Brasil (RFB) por meio de nota em sua página na internet esclareceu um ponto importante para os contribuintes. O declarante que deixou de inserir um dependente que tenha recebido rendimentos de pensão alimentícia poderá incluí-lo na declaração retificadora, assim como as despesas relacionadas ao dependente. As condições para a inclusão são:
- Ter optado na declaração original pela tributação por deduções legais (já que a declaração por dedução simplificada não inclui dedução por dependentes), e
- O dependente não ser titular da própria declaração.
Caso a declaração retificadora resultar em aumento do imposto a restituir já apurado na declaração original, a diferença será creditada automaticamente na conta bancária do contribuinte, em lote residual e após o processamento da declaração.
Mas, se, após a retificação, a declaração ainda apurar imposto a pagar, a restituição do valor do imposto pago a maior incidente sobre a pensão alimentícia deverá ser solicitada pelo contribuinte por meio de Pedido Eletrônico de Restituição (PER), que deve ser apresentado de forma apartada à declaração de IRPF, pois a RFB, atualmente, não conta com uma ferramenta de cálculo e devolução automática de valores pagos a maior pela pessoa física.
Por sua vez, a pessoa física que paga a pensão alimentícia permanecerá com o direito de deduzi-la como despesa na declaração de IRPF. Isso porque a ADI não versou sobre a inconstitucionalidade da dedução da despesa, mas tratou única e exclusivamente da questão da incidência tributária. A União Federal, nos embargos de declaração, chegou a pleitear a revogação da dedução por arrastamento, porém o ministro Dias Toffoli consignou que o dispositivo legal que trata da dedução não fazia parte do processo, e que se trata de benefício fiscal em favor do alimentante, cuja manutenção (ou não) não modificaria a tributação questionada na ação.
Por fim, ressaltamos a importância de o contribuinte manter em boa ordem e guarda toda a documentação que comprove o recebimento e/ou o pagamento da pensão alimentícia, pois, por conta da perda significativa de arrecadação que o tema representa, é provável que a RFB endureça os critérios de análise das retificações e das novas declarações que serão apresentadas.