Por Rodrigo Soldati Oliva
Sócio-Diretor Auditoria
Athros Auditoria e Consultoria
Inicialmente, é importante ressaltar que, desde 2008, o Brasil se convergiu e passou a adotar o padrão das normas contábeis internacionais.
Isso significa dizer que as normas brasileiras de contabilidade estão harmonizadas com as boas práticas contábeis aplicadas internacionalmente e ao que existe de mais atual nessa seara, o que permite, por exemplo, aos stakehoders comparar as demonstrações contábeis de uma empresa de determinado segmento no Brasil com as de uma outra empresa do mesmo segmento estabelecida em outro pais e tirar suas próprias conclusões.
Sobre a óptica de elaboração de conteúdos técnicos e legislação das normas internacionais de contabilidade, essa responsabilidade fica a cargo da entidade denominada IASB (International Accounting Standards Board).
É ela quem emite as popularmente conhecidas “IFRS” (International Financial Reporting Standards). No Brasil, foi estabelecido o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC”), por meio da “Resolução CFC nº 1.055/05 Cria o COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS — (CPC), e dá Outras Providências”, que é composto pelas entidades de classe listadas a seguir:
- Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca);
- Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec Brasil);
- B3 S/A – Brasil, Bolsa, Balcão;
- Conselho Federal de Contabilidade (CFC);
- Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon);
- Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi);
- Entidades representativas de investidores do mercado de capitais.
Operacionalmente falando, sempre que o IASB emite uma IFRS, no Brasil, é o CPC o responsável que realiza a tradução técnica da referida norma, e submete aos órgãos reguladores elencados abaixo, para que estes as aprovem e consequentemente elas passem a ser obrigatórias para os seus respectivos setores de regulação:
- Conselho Federal de Contabilidade (CFC);
- Banco Central do Brasil (Bacen);
- Comissão de Valores Mobiliários (CVM);
- Superintendência de Seguros Privados (Susep);
- Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel);
- Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);
- Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
Feita essa relevante introdução para que o nosso leitor possa acompanhar o tema ora abordado, cabe elucidar que consubstanciada a toda a estrutura atual e mecanismo robusto de funcionamento da legislação contábil, ora contextualizada acima, ainda que não haja aqui um aprofundamento e exemplificação detalhado, claramente pode-se perceber que tais práticas contábeis trazidas em tal legislação não foram pensadas na realidade da economia brasileira, que, de acordo com levantamentos recentes feitos pelo Conselho Federal de Contabilidade, cerca de 90% das pessoas jurídicas existentes em nosso país referem-se aos pequenos negócios.
Se por um lado, houve um grande avanço na parte de qualificação das informações e conceitos técnicos, em contrapartida, outros desdobramentos surgiram. A necessidade de entender e atender as novas práticas contábeis exigiu grandes investimentos técnicos e intelectuais por parte da classe contábil para que se pudesse atendê-las.
Isso porque no momento da convergência, pouco se preocupou com as micro e pequenas empresas, e a estas também foram exigidas o mesmo rigor e respectivas adequações feitas as grandes companhias.
Pensando nisso, em dezembro de 2021, o Conselho Federal de Contabilidade publicou duas novas normas brasileiras de contabilidade aplicáveis as Microentidades e Pequenas Empresas, sendo elas:
- NBC TG 1001 – Contabilidade para Pequenas Empresas; e
- NBC TG 1002 – Contabilidade para Microentidades.
Para fins de definição de qual norma as pessoas jurídicas deverão adotar, faz-se necessário observar o respectivo faturamento bruto e/ou total do ativo existente, conforme demonstrado a seguir:
Critério de enquadramento | |||
Tipo de empresa | Norma Aplicável | Receita – R$ Milhões | Ativo – R$ Milhões |
Microentidades | NBC TG 1002 | De R$0 até R$4,6 | Até R$240 |
Pequenas Empresas | NBC TG 1001 | De R$4,6 até R$78 | Até R$240 |
Pequenas e Médias Empresas | NBC TG 1000 | De R$78 até R$300 | Até R$240 |
Sociedade de Grande Porte | Completo / Full | Acima de R$300 | Acima de R$240 |
Ambas as normas supracitadas entrarão em vigência para os exercícios sociais iniciados a partir de 1° de janeiro de 2023, entretanto, é permitido e fortemente incentivado que as empresas que se encaixem em tal perfil realizem a adoção antecipada de tais normas já para os exercícios iniciados a partir de 1º de janeiro de 2022.
Até a publicação dessas duas novas normas em dezembro de 2021, existiam outras duas normas que regulamentavam as empresas enquadradas como Microentidades e Pequenas Empresas. Eram elas a NBC TG 1.000 — Contabilidade para Pequenas e Médias Empresa (também conhecida popularmente como CPC – PME) e a ITG 1.000 — Modelo Contábil para Microempresa e Empresa de Pequeno Porte.
Porém, a classe contábil de maneira geral sempre fez duras críticas a tais normas vigentes, pois o CPC – PME sempre foi de fato considerado muito complexo de ser aplicado pela Microentidades e Pequenas Empresas, ao passo que a ITG 1.000 por sua vez, também sofreu críticas por ser muito simplista do ponto de vista de ausência de exigência de aspectos técnicos qualitativos e quantitativos, a ponto de na pratica não ser possível adotá-la sem ter que recorrer ao CPC – PME para esclarecimentos de determinados assuntos e tratativas técnicas a serem seguidas. Diante desse duradouro impasse e pleito da classe contábil, a nosso ver de forma assertiva, o CFC se posicionou e atendeu as solicitações feitas de longa data, normatizando por meio das duas novas normas brasileiras de contabilidade mencionadas acima (NBC TG 1001 e NBC TG 1002).
Ressaltamos que a ITG 1000 ficará vigente somente para o exercício findo em 31 de dezembro de 2022 e tão logo após essa data ela será revogada.
Conforme demonstrado acima, sobre a óptica técnica e legal, de fato existem critérios que permitem com que as empresas por meio de sua administração e assessores contábeis determinem a norma contábil a ser seguida.
Entretanto, nós sempre defenderemos uma avaliação sobre a possibilidade da adoção de uma norma contábil mais robusta e que traga sempre as melhores práticas contábeis e de governança corporativa possível, dosadas pelo bom senso e obviamente pela realidade econômico-financeira de cada pessoa jurídica, atentando sempre para uma autoavaliação do custo versus benefício que tal escolha poderá trazer.
Por fim, um ponto que trazemos aqui para reflexão e apoiar os tomadores de decisão é que seguramente, sempre que um investidor avalia a possibilidade de participar e investir ou não em uma determinada empresa/negócio, uma das etapas dessa avaliação será realizar o que o mercado chama de “valuation” (determinação de valor de uma empresa ou negócio), e para que isso possa ser feito, a qualidade das informações existentes nos demonstrativos contábeis seguramente impactará de forma significativa em seu resultado final, tanto para fins de quem está vendendo quanto para quem está comprando.