No apagar das luzes do mês de abril, foi publicada (em edição extra do DOU) a Medida Provisória – MP nº 1.171, de 30 de abril de 2023, a qual altera significativamente a tributação dos rendimentos auferidos no exterior por pessoas físicas residentes no Brasil a partir de 2024.
Conforme disposto na própria exposição de motivos da MP, as alterações têm potencial de arrecadação na ordem de R$ 3,25 bilhões já para o ano de 2023, antes mesmo da efetiva entrada em vigor, especialmente em razão da opção pela atualização do custo de aquisição dos ativos, tópico que trataremos adiante. Estima-se ainda um aumento de R$ 3,59 bilhões para 2024 e de R$ 6,75 bilhões para o ano de 2025.
Obviamente, a MP passará pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, sendo suscetível a mudanças em seu texto original, ou ainda, à não aprovação pelas referidas casas, hipótese em que perderia sua eficácia.
Apenas a título de informação (mas não será objeto desta matéria), referida MP alterou também os valores da tabela progressiva mensal, para fins de incidência do imposto de renda das pessoas físicas em geral (rendimentos locais). Neste caso, estima-se uma redução na arrecadação federal de R$ 3,20 bilhões em 2023 (referente a 7 meses), R$ 5,88 bilhões em 2024 e R$ 6,27 bilhões em 2025.
As alterações promovidas pela MP no que concerne à tributação dos rendimentos auferidos no exterior por Pessoas físicas residentes no Brasil pode ser dividida em três grandes grupos. São eles: (a) tributação dos rendimentos de aplicações financeiras do exterior; (b) tributação de rendimentos de entidades controladas no exterior; e (c) novas regras de tributação dos trusts.
- Tributação dos rendimentos de aplicações financeiras do exterior
Sobre este item, destacamos que os rendimentos decorrentes de aplicações financeiras no exterior efetuadas diretamente pelas Pessoas Físicas passarão a ser tributados separadamente na Declaração de Ajuste Anual, aplicando-se as seguintes alíquotas:
- 0% para rendimentos anuais de até R$ 6.000,00;
- 15% para rendimentos acima de R$ 6.000,00 e até R$ 50.000,00;
- 22,5%% para rendimentos acima de R$ 50.000,00.
As aplicações financeiras englobam os depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento (com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior), instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias (com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior).
Ressalte-se que as regras atuais, relativas à tributação de ganhos de capital no exterior, permanecerão sendo aplicadas quando não decorrentes de aplicações financeiras. As alíquotas são as seguintes:
- Até R$ 5.000.000,00: 15%;
- De R$ 5.000.000,00 a R$ 10.000.000,00: 17,5%;
- De R$ 10.000.000,00 até R$ 30. 000.000,00: 20%;
- Acima de R$ 30 milhões: 22,5%
Nota: Há isenção para bens de pequeno valor (até R$ 35.000,00).
- Tributação de investimentos por entidades controladas no exterior
O principal ponto a ser destacado em relação a este item é o fim do diferimento da tributação do imposto de renda.
Pelas regras atuais, não havendo distribuição de lucros ou dividendos, não há que se falar em tributação. Pelas novas regras, contudo, a tributação ocorrerá independentemente da efetiva disponibilização dos recursos, cabendo a apuração do lucro ao final de cada ano.
Vale destacar, contudo, que estas regras se aplicam exclusivamente a entidades:
- localizadas em paraísos fiscais ou países/dependências que gozem de regime fiscal privilegiado, nos termos da legislação vigente;
- Entidades com renda ativa própria inferior a 80%, assim entendida a renda obtida diretamente pela pessoa jurídica mediante a exploração de atividade econômica própria, excluídas as receitas decorrentes de royalties, juros, dividendos, participações societárias, dentre outras.
Isso quer dizer que, em relação aos investimentos em “atividades operacionais”, por exemplo, que tendem a gerar renda ativa própria superior a 80%, permanece a possibilidade de diferimento da tributação, desde que não correspondam, obviamente, a investimentos em paraísos fiscais ou localidades com regime fiscal privilegiado.
Uma vez enquadradas nas novas regras, estarão sujeitas às mesmas alíquotas mencionadas no item anterior, ou seja, serão aplicadas as alíquotas de 0%, 15% ou 22,5%, de acordo com os valores dos rendimentos auferidos.
(c) Regras de tributação dos trusts
O trust atualmente não é reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico, razão pela qual inexiste até então regulamentação específica sobre o tema no Brasil.
Um dos principais pontos a ser destacado em relação a este item é que os ativos do trust passam a ser transparentes e deverão ser declarados e tributados pelo titular a partir de 2024, devendo o patrimônio que compõe o trust ser informado na Declaração de Ajuste Anual, a partir da declaração do ano que vem (exercício de 2024, ano-calendário 2023).
A tributação ocorrerá de acordo com o tipo de ativo detido pelo trust.
Caso o trust detenha uma controlada no exterior, esta será considerada como detida diretamente pelo titular, aplicando-se as regras de tributação de investimentos em controladas no exterior, acima mencionadas.
A distribuição pelo trust ao beneficiário, a partir de 1º de janeiro de 2024, possuirá natureza jurídica de transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário, consistindo em doação, se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis, se decorrente do falecimento do instituidor.
Há outras peculiaridades relativas ao trust, os quais permitimo-nos não mencionar no momento, até porque não é tão comum como os 2 itens anteriores.
Atualização do custo de aquisição dos ativos no exterior
A MP nº 1.171 trouxe ainda a faculdade de atualização do custo de aquisição informado na Declaração de Ajuste Anual, hipótese em que caberia a tributação antecipada, porém com alíquota inferior (10%), devendo nesta hipótese ser recolhido o imposto até o dia 30 de novembro de 2023.
Especificamente no caso de controladas no exterior, o contribuinte que optar pela atualização do custo do ativo poderá também optar, separadamente, por atualizar o valor de mercado para o ano de 2023, com pagamento deste “complemento” até 31 de maio de 2024.
Convém ressaltar ainda que o Ministério da Fazenda criou um “Perguntas e Respostas” sobre o tema, o qual pode ser acessado pela página https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/perguntas-e-respostas.
Há, sem dúvidas, inúmeros outros detalhes trazidos pela Medida Provisória nº 1.171/23, mas obviamente o objetivo aqui não é esgotar o tema, dada à sua complexidade. Além disso, há lacunas deixadas pela MP, as quais esperamos que sejam devidamente preenchidas durante a tramitação pela Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Ademais, acreditamos que o texto sofra alterações por estas casas, considerando sua importância, complexidade e impactos à economia brasileira.
Vale lembrar que, para que entre em vigor, a MP deve ser convertida em Lei no prazo de 120 dias. Do contrário, perderá sua eficácia e as alterações não prosperarão.
Athros Sfai Auditoria e Consultoria
Consultoria Tributária – Impostos Diretos