A inconstitucional exclusão do ICMS da base dos créditos do PIS e da Cofins

Por Gláucia Godeghese

Advogada

Godeghese e Silva Advogados Associados

Outubro 2023

 

Seis anos após a esmagadora derrota do fisco na “tese do século”, onde se definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo das contribuições ao PIS e a COFINS, os contibuintes se encontram diante de uma nova celeuma: a determinação de exclusão dos valores de ICMS que incidiram sobre a operação de aquisição na base dos créditos de PIS e COFINS.

Em 12 de janeiro deste ano foi editada a Medida Provisória – MP nº 1.159, que alterou o §2º do artigo 3º das Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03, de forma a proibir o creditamento dos valores de ICMS relativos à aquisição de bens, mercadorias e serviços para efeito de apuração do PIS e da COFINS no regime não cumulativo.

Ocorre que, diante da iminente perda da eficácia da referida MP, em total arrepeio ao ordenamento jurídico vigente, foi praticada verdadeira manobra legislativa para incorporar as disposições da MP nº 1.159/2023 ao texto da MP nº 1.147/2022, que já se encontrava em estágio mais avançado de apreciação pelo Congresso.

Inobstante as inúmeras máculas que lhe permeavam, a MP nº 1.147/2022 foi convertida na Lei nº 14.592/2023, que alterou o art. 3º, §2º, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, nos termos acima citados, para excluir os valores de ICMS da base dos créditos de PIS e COFINS e, como era esperado, a MP nº 1.159/2023 foi extirpada do ordenamento jurídico pelo decurso do prazo de sua vigência.

Contudo, a proibição ao creditamento dos valores de ICMS oriundos de aquisições de bens e serviços para fins de apuração do PIS e da COFINS padece de ilegalidades e inconstitucionalidades.

Isso porque a não-cumulatividade do PIS e da COFINS se dá pelo “Método Indireto Subtrativo” (conforme exposição de motivos da MP nº 135/2003, convertida na Lei nº 10.833/03), onde a apuração dos créditos fiscais dedutíveis tem como base os custos e despesas suportados pelo contribuinte na aquisição de determinados bens e serviços.

Tais custos, pela sua própria natureza, englobam o ICMS incidente nas operações de aquisição de mercadorias ou serviços. Portanto, sendo o ICMS parte do custo de aquisição, não há como desconsiderá-lo para efeito de apuração da base de créditos do PIS e da COFINS, sob pena de violação do próprio sistema não cumulativo de tais contribuições e consequente afronta ao art. 195, §12, CF/88 e art. 3º, caput e §1º, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003.

Adicionalmente, o sistema de apuração dos créditos trazido pela Lei nº 14.592/23 fere os princípios da isonomia (arts. 5º e 150, inciso II da CF/88) e da livre concorrência (art. 170, IV, CF/88), além de violar o pacto federativo, conforme explicaremos a seguir.

Ao determinar que não se considere o valor do ICMS na base dos créditos de PIS e COFINS, a Lei nº 14.592/23 acaba por conferir tratamento diferenciado aos contribuintes em razão das alíquotas de ICMS aplicadas nos Estados onde estão localizados seus fornecedores: um mesmo produto, com o mesmo valor de aquisição, poderá ensejar a apuração de um crédito maior ou menor em função da alíquota do ICMS aplicada, quanto maior for a alíquota do ICMS, menor será o crédito do PIS e COFINS.

Institui-se, dessa forma, em evidente ofensa ao princípio da isonomia, tratamento desigual entre os contribuintes, em razão da alíquota do ICMS aplicada pelo Estado de origem do fornecedor, pois contribuintes que tenham possibilidade de adquirir produtos de Estados com menor alíquota de ICMS estarão em situação de vantagem frente àqueles que são obrigados a adquirir produtos sob alíquotas mais elevadas de ICMS, sem direito ao respectivo crédito.

E o impacto negativo ao princípio da livre concorrência não se restringe aos contribuintes adquirentes, mas igualmente aos fornecedores, na medida em que os clientes optarão por adquirir produtos sob alíquota menor de ICMS, de modo a obter maior crédito de PIS e COFINS.

Esse cenário acentua negativamente a competividade entre os Estados – a chamada “guerra fiscal” – visto que os Estados que concederem incentivos e benefícios fiscais de ICMS poderão, cobrando o mesmo preço final que outros Estados, atrair mais consumidores pela garantia de maior crédito de PIS e COFINS.

É evidente, portanto, o efeito lesivo da alteração na sistemática de apuração dos créditos de PIS e COFINS imposto Lei nº 14.592/23, na medida em que impõe desequilíbrio na relação entre os contribuintes e os próprios Estados, ferindo os princípios da isonomia, da livre concorrência e ainda o pacto federativo.

Não podemos deixar de citar que a alteração da forma de creditamento de tais contribuições encontra-se ainda maculada por vícios formais, desde a sua origem.

Tal fato se dá pois o art. 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal, dispõe que cabe exclusivamente à lei complementar estabelecer regra relativa a créditos tributários. Por seu turno, o artigo 62, §1º, inciso III, da CF/88, veda a edição de medida provisória sobre matéria que seja privativa de lei complementar.

Assim, ao introduzir modificação à regra do creditamento do PIS e da COFINS – matéria privativa de lei complementar – acabaram as MPs nº 1.159/23 e nº 1.147/22 (e por consequência, a Lei nº 14.592/23) por afrontar citados dispositivos constitucionais.

Por fim, a derradeira mácula ao ordenamento jurídico trazido pela Lei nº 14.592/23 refere-se à verdadeira artimanha legislativa praticada, pois as disposições da MP nº 1.159/23 foram indevidamente incluídas no texto da MP nº 1.147, que foi editada em 20/12/2022 e versava originalmente sobre matéria diversa, mas que já se encontrava em estágio avançado de aprovação.

Tudo isso para evitar que a MP nº 1.159/23 perdesse sua validade por não ser votada no prazo constitucionalmente fixado no art. 62, §3º da CF/88.

Todavia, olvidou-se o Congresso Nacional que o Plenário do STF já reconheceu a inconstitucionalidade de inserção, em Medida Provisória, de matéria estranha ao seu objeto original, (v. ADI nº 5.127), reconhecendo que tal situação configura inequívoca violação ao princípio democrático e ao devido processo legal, consagrados nos artigos 1º, 2º e 5º (caput e LIV), da Constituição Federal.

Diante de tantas inconstitucionalidades, os contribuintes estão se socorrendo do Poder Judiciário, objetivando garantir seu direito de incluir o ICMS relativo às aquisições de mercadorias na base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS, e juízes de primeira e segunda instâncias já se manifestaram de forma procedente aos contribuintes.

Dessa forma, aconselhamos que todos os contribuintes se resguardem das ilegalidades cometidas e ajuízem a competente medida judicial, visando dessa forma, ver reconhecido seu direito ao creditamento do ICMS relativo às aquisições na base dos créditos do PIS e COFINS.

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