Douglas Rogério Campanini
Sócio-Diretor Consultoria – Indiretos
Athros Auditoria e Consultoria
Quem milita na área tributária tem notado que a pandemia tem se mostrado um período repleto de inúmeras novidades e/ou discussões envolvendo questões tributárias.
Neste período, o Supremo Tribunal Federal – STF – intensificou demasiadamente a sua atuação, inclusive proferindo o entendimento acerca da chamada “tese do século”, qual seja, a exclusão do ICMS destacado nas notas fiscais da base de cálculo do PIS e Cofins.
Não obstante a esta questão, o STF também foi instado a se posicionar acerca da constitucionalidade da incidência do ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa.
Este tema não é novo na seara tributária, existindo inclusive a Súmula 166[1] editada pelo STJ na qual, desde 1996, demonstra o entendimento deste tribunal acerca da ilegalidade da exigência deste tributo nestas operações.
Ocorre que os negócios empresariais, peculiares e estruturados de acordo com os interesses de cada entidade, poderão ser diretamente afetados em razão da decisão proferida pelo STF, que julgou inconstitucional trechos constantes Lei Complementar 87/96 que abordam, dentre outros, a figura da incidência do ICMS nas operações de transferência entre estabelecimentos da mesma empresa.
Isto porque a decisão do STF, ao declarar a inconstitucionalidade desta exigência em julgamento proferido no mês de abril/2021 na ADC 49, não se manifestou (ainda) acerca dos impactos tributários que esta decisão trará para o dia a dia das empresas e estados.
De forma a expor alguns pontos importantes que necessitarão ser esclarecidos, pontuamos:
- Haverá a necessidade de estorno de crédito pelo estabelecimento remetente da mercadoria?
- Caso a mercadoria seja objeto de saída, no estabelecimento destinatário, com isenção ou base de cálculo reduzida sem direito a manutenção do crédito, e o crédito no estabelecimento de origem tenha sido mantido (o que em nossa singela opinião deve prevalecer, pois não há a ocorrência de fato gerador de ICMS nesta operação), como ficará os controles para o estorno do crédito em razão da disposição constante no §3º do artigo 20 da Lei Complementar 87/96[2]?
- Se ocorrer múltiplas transferências de mercadorias entre os estabelecimentos da mesma empresa, como serão realizados os controles para identificar em qual estado o ICMS deve ser estornado, caso haja a aquisição destes produtos por diversos estabelecimentos da empresa (rastreabilidade do estoque)?
- Como ficarão os benefícios / incentivos fiscais concedidos pelas Unidades Federadas, agora chancelados pela Lei Complementar 160/2017, e que porventura envolvam operações de transferência entre estabelecimentos da mesma empresa, inclusive em operações interestaduais?
Em nossa opinião, como o STF declarou inconstitucional a ocorrência do fato gerador do ICMS, é como se esta “movimentação” ocorresse “fisicamente” dentro das dependências do contribuinte, ou seja, do “local do estoque” para a “expedição”, o que não demonstra a “saída” da mercadoria e não acarretando, por conseguinte, qualquer preocupação reflexa com a figura dos créditos registrados na entrada.
Os estados, por meio do Ofício Comsefaz 185/2021, apresentam por sua vez opinião diversa ao disposto acima, invocando a figura do princípio federativo, bem como os impactos que esta decisão promoverá nas contas públicas dos estados, que já foram elaboradas considerando esta receita além do possível aumento do contencioso administrativo e judicial caso não sejam emanadas regras claras e objetivas sobre os reflexos desta discussão.
Apesar do todo o exposto convém destacar que foram opostos, em 13.05.2021, embargos de declaração que se encontram pendentes de julgamento na ADC 49 para que, dentre outros pontos, requerer que referida decisão apenas produza efeitos a partir do exercício financeiro seguinte ao da conclusão do julgamento.
A julgar pela semelhança do caso relativo à exclusão do ICMS da Base de Cálculo do PIS e Cofins, cujos embargos de declaração foram julgados após quatro anos da sua interposição, referido tema ainda residirá por algum tempo na lista de preocupação de estados e contribuintes, que anseiam pelo seu desfecho para que possam avaliar o cenário que será posto após a decisão final do STF, bem como as diretivas que serão adotadas para que os negócios empresariais continuem a se desenvolver.
Segurança jurídica? Planejamento tributário? Quando o contribuinte / empresário ainda se encontra de ressaca por meio da comemoração “virtual” de um importante tema tributário, o STF “comunica” que ainda há temas pendentes de análise, e que estados e contribuintes “guardem seu fôlego” para o que ainda está por vir!
[1] Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.
[2] § 3º É vedado o crédito relativo a mercadoria entrada no estabelecimento ou a prestação de serviços a ele feita:
I – para integração ou consumo em processo de industrialização ou produção rural, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto, exceto se tratar-se de saída para o exterior;
II – para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subsequente não forem tributadas ou estiverem isentas do imposto, exceto as destinadas ao exterior