Criptomoedas: O que são e os desafios contábeis atuais de apresentação e mensuração

Por Juliano Morais
Sócio Supervisor Auditoria
Athros Auditoria e Consultoria

 

Atualmente, é muito comum lidarmos com situações em que empresários possuem investimentos particulares/pessoais em criptomoedas e pretendem iniciar esse tipo de investimento na pessoa jurídica. É nesse cenário que se iniciam os desafios dos profissionais contábeis. Com o avanço da tecnologia e com as desmistificações e insegurança que acercam esse assunto, já podemos notar no mercado a existência de uma tendência das companhias em passar a considerar as criptomoedas em seus portfólios de opções para investimentos, e, até mesmo, para fins de aquisição com o intuito de realizar pagamentos a fornecedores e terceiros, bem como para fins de realização de seus recebíveis junto a seus clientes.

Mas, afinal, o que são criptomoedas?

São moedas digitais descentralizadas, ou seja, trata-se de um ativo digital criptografado que pode ser usado como meio de troca ou reserva de valor. Tais ativos são criados em uma rede blockchain*, que é responsável por armazenar, de forma segura, os mais variados tipos dados e informações, por exemplo, transações financeiras contendo dados particulares dos envolvidos. Em determinadas situações, tais criptomoedas geradas no blockchain possuem um valor que pode ser convertido para outras moedas, por exemplo, o euro, dólar ou até mesmo o real, permitindo que sejam utilizadas como moedas de troca para aquisição de serviços e produtos. Em poucas palavras, podemos considerá-las como sendo um código computacionalmente seguro, em que cada criptomoeda controla sua oferta monetária para evitar sua desvalorização, bem como os mecanismos pelos quais podem ser criadas, armazenadas e transferidas com segurança.

*blockchain: trata-se de um livro-razão compartilhado e imutável que facilita o processo de registro de transações e o rastreamento de ativos em uma rede empresarial.

Com avanço dessa nova tendência, é possível notar cada vez mais uma crescente demanda por parte dos contabilistas em adquirir conhecimentos para poder assessorar seus clientes, sobre qual a adequada forma de contabilização e mensuração desse tema. Entretanto, a de se observar que tanto as normas internacionais (“IFRS”) quanto as normas brasileiras de contabilidade (“CPC’s”)ainda não dedicaram um conteúdo técnico específico sobre as respectivas tratativas a serem consideradas para as criptomoedas.

Mas, então, diante do cenário acima, qual a adequada forma de apresentação e mensuração desse assunto?

Sobre a óptica contábil, realizamos uma avaliação e reflexão sobre o nosso atual acervo técnico existente. Inicialmente, o primeiro ponto a ser levado em conta é se as criptomoedas podem ser consideradas um ativo. Vejamos a seguir a definição de ativo de acordo com o CPC 00 (R2) Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro:

Definição de ativo

4.3 Ativo é um recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados.

4.4 Recurso econômico é um direito que tem o potencial de produzir benefícios econômicos.

Diante de tal elucidação, quando constatamos no mercado um crescente número de interessados em adquirir criptomoedas, é possível considerarmos como aceitável que as criptomoedas se encaixam no conceito de ativo e de que devem ser tratadas como tal. Não obstante, o grande desafio daqui por diante é detectar o grupo de contas contábeis mais adequado para registrá-lo e como mensurá-lo. Vejamos abaixo algumas definições técnicas existentes atualmente em nossas práticas contábeis:

 

1) CPC 03 (R2) Demonstração dos Fluxos de Caixa

Definições:

Caixa compreende numerário em espécie e depósitos bancários disponíveis.

Equivalentes de caixa são aplicações financeiras de curto prazo, de alta liquidez, que são prontamente conversíveis em montante conhecido de caixa e que estão sujeitas a um insignificante risco de mudança de valor.

As criptomoedas são ativos de alta volatilidade e não podemos ter confiança que são prontamente conversíveis em caixa, nem que estão sujeitas a um insignificante risco de mudança de valor. Tão logo, nosso entendimento é de que definitivamente, caixa e equivalentes de caixa não é a melhor tratativa contábil a ser adotada.

 

2) CPC 04 (R1) Ativo Intangível

Definições:

Ativo intangível é um ativo não monetário* identificável sem substância física.

* Itens monetários são unidades de moeda mantidas em caixa e ativos e passivos a serem recebidos ou pagos em um número fixo ou determinado de unidades de moeda. (trecho extraído do CPC 02 (R2) Efeitos das Mudanças nas Taxas de Câmbio e Conversão de Demonstrações Contábeis). Por outro lado, a característica essencial de item não monetário é a ausência do direito a receber (ou da obrigação de entregar) um número fixo ou determinável de unidades de moeda.

Mensuração:

Se o valor contábil de ativo intangível aumentar em virtude de reavaliação, esse aumento deve ser creditado diretamente à conta própria de outros resultados abrangentes no patrimônio líquido. No entanto, o aumento deve ser reconhecido no resultado quando se tratar da reversão de decréscimo de reavaliação do mesmo ativo anteriormente reconhecido no resultado.

Se o valor contábil de ativo intangível diminuir em virtude de reavaliação, essa diminuição deve ser reconhecida no resultado. No entanto, a diminuição do ativo intangível deve ser debitada diretamente ao patrimônio líquido, contra a conta de reserva de reavaliação, até o seu limite.

Como se pode notar, na ausência de uma norma contábil específica, é razoável dizer que o referido CPC é o que mais nos traz subsídios técnicos e mais se aproxima do referido tema. Portanto, nosso entendimento é de que quando do momento de aquisição do referido ativo, a apresentação inicial deva ser tratada como sendo um ativo intangível e registrada pelo seu custo de aquisição. Não obstante, posteriormente, tal ativo deve ser avaliado ao valor justo*, tratando-se o eventual ganho com valorização do respectivo ativo em conta específica dentro do grupo de contas de outros resultados abrangentes, no patrimônio líquido.

* Não nos aprofundaremos aqui sobre as peculiaridades trazidas por tal norma contábil, no que diz respeito a forma de reconhecimento de uma eventual perda, bem como, situações específicas em que tal ganho deva ser transitado pelo resultado. Recomendamos a leitura na integra da respectiva norma contábil.

 

3) CPC 16 (R1) Estoques

Os seguintes termos são usados neste pronunciamento, com os significados especificados:

Estoques são ativos:

(a) mantidos para venda no curso normal dos negócios;

(b) em processo de produção para venda; ou

(c) na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos ou transformados no processo de produção ou na prestação de serviços.

Caso estivéssemos nos referindo aqui a companhias que atuam no segmento de corretores-negociantes de commodities, faria sentido mantermos o registro no grupo de estoques e seguirmos as respectivas regras de mensuração estabelecidas pelo CPC 16 (R1). Entretanto, como nossa avaliação aqui visa abranger companhias que em geral adquiriram criptomoedas para fins de investir e/ou até mesmo para fins de utilização de tal ativo como moeda para realização de pagamentos junto a terceiros, não faz sentido portanto considerarmos tal ativo como estoque.

 

4) CPC 39 Instrumentos Financeiros – Apresentação

 Definições

  1. Os termos seguintes são utilizados neste pronunciamento com os seguintes significados: instrumento financeiro é qualquer contrato que dê origem a um ativo financeiro para a entidade e a um passivo financeiro ou instrumento patrimonial para outra entidade.

 

Ativo financeiro é qualquer ativo que seja:

(a) caixa;

(b) instrumento patrimonial de outra entidade;

(c) direito contratual:

Como se pode notar na definição acima, quando se adquire uma criptomoeda, não existe nenhuma relação contratual com algum terceiro. Portanto, podemos aqui desconsiderar esse item de nossa avaliação.

Em linhas gerais, considerando aqui que estamos nos referindo a aspectos contábeis voltados para as companhias que em geral adquiriram criptomoedas para fins de investir e/ou até mesmo para fins de utilização em transações de pagamentos ou recebimento junto a terceiros, nosso entendimento é de que devido à ausência de normas contábeis especificas para o devido tratamento contábil do tema criptomoedas, não se pode afirmar e nem concluir com total convicção de qual seria a adequada forma de contabilização e mensuração sobre tal tema. Entretanto, feitas as devidas considerações à luz das atuais práticas contábeis existentes, por mais se aproximar das realidades do ativo de criptomoeda, nosso entendimento é de que o profissional de contabilidade deve se alicerçar no CPC 04 (R1) Ativo Intangível para fins de avançar com os devidos registros contábeis, ou seja, quando do momento de aquisição do referido ativo, a apresentação inicial deva ser tratada como sendo um ativo intangível e registrada pelo seu custo de aquisição. Não obstante, posteriormente, tal ativo deve ser avaliado ao valor justo, tratando-se o eventual ganho com valorização do respectivo ativo em conta específica dentro do grupo de contas de outros resultados abrangentes, no patrimônio líquido.

Por fim, diante das incertezas ora mencionadas e da relevância que tal assunto está conquistando no Brasil e no mundo, incentivamos e encorajamos os respectivos órgãos reguladores contábeis brasileiros a avaliarem a possibilidade de se posicionar oficialmente sobre o referido assunto.

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