Controvérsias acerca da constitucionalidade da cobrança do ICMS diferencial de alíquota nas vendas com destino à Consumidor Final não contribuinte do imposto

Por Rita Estanquine
Supervisora de Tributos Indiretos da Athros
Athros Auditoria e Consultoria

 

 

A celeuma envolvendo a obrigatoriedade do diferencial de alíquota de ICMS (Difal) nas operações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto tem gerado grande anseio por parte dos contribuintes que realizam essas operações.

A discussão está em torno das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 87/2015, a qual modificou o §2º do artigo 155 da CF/88 e incluiu o artigo 99 no ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) para tratar da sistemática de cobrança do ICMS incidente sobre as operações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro estado, contribuinte ou não do imposto, e se essa alteração na Constituição Federal seria suficiente para determinar a exigência desse montante para o estado de destino ou se há a necessidade de edição de lei complementar para prever essa disposição.

Pois bem.

Anteriormente, a publicação da Emenda Constitucional n° 87/2015, nos termos da redação original do artigo 155, §2º, VII, “b” da CF/88, nas operações envolvendo consumidor final não contribuinte do ICMS, o ICMS seria devido apenas ao estado de origem.

Eis redação:

“Art. 155 (…)

  • 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…)

“VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

  1. a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
  2. b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

VIII – na hipótese da alínea “a” do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; (grifo nosso)”

 

Contudo, com a edição da EC n° 87/2015, nas operações interestaduais destinadas a consumidor final, seja contribuinte ou não do ICMS, esse imposto passou a ser devido com as seguintes mudanças constitucionais (i) ICMS devido à alíquota interestadual ao estado de origem e (i) ICMS devido ao estado de destino correspondente à diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna do estado destinatário (diferencial de alíquota – Difal).

 

Eis a redação:

“Art. 155 (…)

  • 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…)

VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

  1. a) (revogada);
  2. b) (revogada);

VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

  1. a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;
  2. b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; (grifos nossos)”.

 

A polêmica está no fato de que não houve, até o momento, previsão ou disciplinamento do assunto em lei complementar, sendo que sua forma de cobrança e alguns pormenores mais técnicos foram descritos apenas pelo Convênio Confaz ICMS 93/15.

Diante desse cenário, alguns contribuintes buscaram o apoio junto ao Poder Judiciário, questionando a inconstitucionalidade dessa exigência, alegando a necessidade de lei complementar para sua fundamentação, e que o Convênio ICMS 93/2015 não teria, por si só, força normativa para impor essa cobrança, em respeito às normas constantes no artigo 146, I, II e III da CF/88, bem como no artigo 155, §2º, XII, alíneas “a”, “d” e “i” da CF/88.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário 1.287.019, reconheceu a repercussão geral da matéria.

Em resumo, no RE 1.287.019, discute-se que a mudança prevista na EC 87/2015, para ser totalmente legitimada, demandaria edição de lei complementar para produzir efeitos. Portanto, o estado não poderia cobrar o diferencial de alíquotas enquanto o Congresso Nacional não editar uma Lei complementar regulamentando a alteração trazida pela referida emenda.

Em sessão virtual ocorrida no final de 2020, dois magistrados votaram pela necessidade da edição de lei complementar para implementar a cobrança. Nessa oportunidade, votaram os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli, sendo que a diferença entre os dois votos é que o ministro Dias Toffoli entende pela modulação dos efeitos da decisão, visando evitar prejuízo aos estados, ao contrário do ministro Marco Aurélio, que defende que a cobrança é indevida desde o início da sua instituição, ou seja, 2016.

Vale ressaltar que esse julgamento afeta, sobretudo, a repartição de receitas de ICMS entre os estados brasileiros. Em ofício enviado ao presidente do STF, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) manifestou que eventual inconstitucionalidade causará perdas de receitas de ICMS de R$ 9,838 bilhões anuais.

Em matéria veiculada recentemente na edição do Jornal Valor Econômico[1], foi veiculado que o STF, em razão da pandemia, tem-se sensibilizado com a situação das contas públicas dos estados e passou a propor, com mais frequência, a utilização desse da modulação dos efeitos, que, em resumo, determina que a decisão não se aplique a fatos retroativos.

Por todo o exposto e, tendo em vista que as operações de vendas a consumidores finais não contribuintes do ICMS realizadas pelas empresas, por seus diversos meios e plataformas, sofreu significativo incremento neste período pandêmico, reveste-se de um tema que está sendo observado com muita atenção e proximidade pelas empresas que atuam nesse mercado, pois caso a decisão final do STF seja a favor da edição de lei complementar, com certeza, veremos que esse segmento será muito beneficiado, pois deixará de recolher o ICMS até que tal lacuna seja eliminada.

Será esse, dentre outros, mais um indício de que necessitamos urgentemente de uma simplificação em nosso sistema tributário? Faça a sua aposta!

 

 

[1] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/01/21/pandemia-leva-ministros-do-stf-a-reduzir-impacto-de-decisoes.ghtml – Edição de 21/01/2021

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