Por Luciano Nutti
Consultoria Tributária – Impostos Diretos
As regras dos Preços de Transferência (Transfer Pricing) foram introduzidas no Brasil no ano de 1997, por intermédio da Lei nº 9.430/96, e sofreram algumas alterações relevantes ao longo destas duas décadas.
O objetivo destas regras é evitar o suposto superfaturamento nas operações de importação e/ou o subfaturamento nas operações de exportação praticadas entre partes relacionadas, além de operações efetuadas com paraísos fiscais (países com tributação da renda inferior a 20%), localidades que oponham sigilo de composição societária e interpostas pessoas (empresas não caracterizadas como vinculadas, mas que operam com outra, no exterior, caracterizada como vinculada à empresa brasileira).
O controle dos Preços de Transferência é feito através de métodos de cálculo para determinação de preços de comparação máximos para as importações e mínimos para as exportações. Referidos métodos são, em tese, de “livre escolha” do contribuinte, embora muitas vezes haja dificuldade prática para aplicação de mais de um método, visto que estes se pautam em situações que nem sempre ocorrem, ou ainda, dependem de informações de difícil obtenção (por exemplo, a abertura dos custos, nos moldes da legislação brasileira, dos produtos vendidos pela empresa vinculada à empresa brasileira – método CPL).
A alteração mais relevante nas regras dos Preços de Transferência nos últimos anos, sem dúvida, refere-se à unificação dos métodos PRL 60% e PRL 20%, os quais eram aplicados, respectivamente, às importações destinadas à industrialização e à revenda.
Esta unificação teve como objetivo principal a redução da litigiosidade que a matéria vinha suscitando, em especial no que tange ao PRL 60%, visto que a metodologia imposta pela RFB, por meio da IN 243/02, divergia das regras impostas pela Lei 9.959/00, embora a RFB insistisse na ideia de que não havia distorção do cálculo imposto pela IN. Curioso é que a interpretação da RFB era demasiadamente mais onerosa aos contribuintes, resultando em ajustes exorbitantes e totalmente inadequados.
Isso porque a metodologia da IN nº 243/02 eliminou o conceito de "valor agregado", trazido pela lei, e criou um conceito de "proporcionalidade de preços" (participação do bem importado em relação ao custo total do bem).
A IN 243/02 foi revogada dez anos depois, pela IN 1.312/12, estancando, a partir de então, a discussão envolvendo a diferença de critérios de cálculo existente entre a Lei 9.959/00 e a IN 243/02.
A metodologia atual (desta vez prevista em Lei e não em mera Instrução Normativa) baseia-se também no conceito de proporcionalidade de preços. Embora o conceito seja bastante plausível do ponto de vista lógico, sua aplicação torna-se incoerente na medida em que as margens de lucro ainda são demasiadamente altas, por vezes resultando em ajustes que não espelham a realidade e que não configuram, de fato, qualquer superfaturamento nas importações, distorcendo assim o real objetivo da norma em prol do aumento da arrecadação federal.
Atualmente, as regras dos Preços de Transferência permanecem regulamentadas na Instrução Normativa (IN RFB) nº 1.212/12, a qual sofreu recentes alterações por intermédio da IN RFB 1.870/19, publicada no DOU de 30/01/19.
Dentre as alterações trazidas pela IN RFB 1.870/19, um dos destaques refere-se ao momento do cálculo do preço parâmetro pelo método PRL – Preço de Revenda menos Lucro. Por meio da inclusão do § 3º ao artigo 4º da IN RFB 1.312/12, o preço parâmetro neste método passou a ser apurado no ano-calendário em que o bem, serviço ou direito importado for baixado dos estoques para resultado.
Alinhada a esta premissa, a nova regulamentação traz uma mudança também no cálculo do preço praticado, quando comparado ao preço parâmetro apurado com base neste método (PRL). A mudança implica no ajuste dos estoques iniciais e finais, de maneira que somente seja considerado como preço praticado o valor que efetivamente tenha sido realizado no ano-período.
Em suma, o preço praticado passará a ser representado pelos estoques iniciais, acrescidos das importações do ano, diminuído dos estoques finais. Embora o ajuste dos estoques iniciais não seja de fato uma novidade, a grande modificação está pautada na desconsideração dos estoques (valores e quantidades) existentes no final do período.
Se por um lado é inegável que estas alterações se revistam de certa coerência, especialmente sob o conceito de realização, por outro lado não podemos nos esquecer de que os estoques não representam exatamente o preço praticado, sendo este último representado, salvo exceções, pelo valor FOB, enquanto os estoques estão majorados de outros custos de importação.
Neste prisma, ajustes de estoques representam uma clara “contaminação” dos preços praticados. Entretanto, como o ajuste será tanto para inclusão dos estoques iniciais quanto para exclusão dos estoques finais, poderá haver certa equalização nos cálculos, dependendo da situação do contribuinte.
Outra novidade neste método (PRL) é a forma de cálculo da ponderação dos preços parâmetros, na hipótese de mais de uma destinação ao produto importado. Vejamos a redação do parágrafo único do artigo 13:
“Parágrafo único. Os preços parâmetros serão multiplicados pelas quantidades do bem importado consumidas nas respectivas destinações e levadas ao resultado do exercício, e os resultados serão somados e divididos pela quantidade total, de modo a determinar o preço parâmetro médio ponderado do bem, serviço ou direito importado.”
A normatização anterior não determinava como seria a ponderação dos preços parâmetros, mas tão somente que deveria ser calculado o preço parâmetro para cada tipo de destinação (um ou mais produtos acabados e revenda). Com a nova redação, a ponderação deve basear-se na quantidade de itens importados, o que, inegavelmente, faz todo sentido do ponto de vista lógico.
Uma outra alteração de extrema relevância no método PRL diz respeito ao valor do custo médio ponderado do bem, para fins de cálculo do percentual de participação, que é utilizado no preço de venda para cálculo do preço parâmetro.
Até então, a legislação dispunha apenas que o percentual de participação correspondia à relação percentual entre o custo médio ponderado do bem, direito ou serviço importado e o custo total médio ponderado do bem, direito ou serviço vendido (produto acabado), calculado em conformidade com a planilha de custos da pessoa jurídica.
Foi inserido, contudo, o § 3º-B ao artigo 12 da IN 1.312/12, in verbis:
“§ 3º-B – O custo médio ponderado do bem, direito ou serviço importado a que se refere o inciso II do caput corresponde ao preço praticado do bem, direito ou serviço importado calculado com base nos critérios previstos nos §§ 15 a 17 deste artigo.”
Embora não houvesse orientação clara sobre a determinação do custo médio ponderado, para fins do cálculo do percentual de participação, a interpretação majoritariamente utilizada era de que este custo médio do item importado “carregava” outros custos além do preço praticado (via de regra, valor FOB), em conformidade com a planilha de custos da pessoa jurídica.
Esta alteração faz com que o percentual de participação seja menor, diminuindo assim o preço parâmetro e, por consequência, aumentando o ajuste (ou, ao menos, a propensão à apuração de ajuste). Por esta razão, ao que tudo indica, esta alteração é a que causará maior impacto negativo aos contribuintes.
No que tange às operações de importação e/ou exportação de Commodities, a inclusão do § 5º ao artigo 40 da IN 1.312/12 determina que devem ser utilizados, obrigatoriamente, o método do Preço sob Cotação na Importação (PCI) e/ou o método do Preço sob Cotação na Exportação (Pecex), respectivamente, não sendo permitida a utilização dos demais métodos de importação e exportação. Ainda no que concerne a estas operações, foi implementada uma nova margem de divergência aceitável, passando a ser de 3% (contra os 5% de margem de divergência para os demais métodos).
Além das alterações acima mencionadas, a IN 1.870/19 trouxe ainda outras modificações, em tese de menor impacto, tais como ((i) contabilização dos ajustes como opção, não sendo aplicável ao método PRL; (ii) impacto dos ajustes do Transfer Pricing no Patrimônio Líquido, para fins de cálculo dos Juros sobre o Capital Próprio, sendo que no caso do método PRL, estes ajustes devem ser efetuados somente no ano da realização (e não da importação, como nos demais métodos); (iii) impossibilidade de aplicação do método PRL quando há somente venda/revenda para o mercado externo; (iv) alteração de redação no método PIC, em relação à comparação em operações de compra e venda praticadas entre terceiros, incluindo a expressão “não vinculados entre si”; (v) inclusão, no preço praticado, de frete, seguro, tributos sobre importação e gastos com desembaraço aduaneiro quando incluídos nas condições de compra e venda (International Commercial Terms – Incoterm); (vi) alteração no cálculo da margem de divergência, passando a ser calculada sobre o preço praticado e não sobre o preço parâmetro (apenas alteração de redação para que seja matematicamente mais coerente)).
Por fim, é notório que as alterações trazidas pela IN 1.870/19 tiveram como principal finalidade preencher algumas lacunas e apresentar “entendimentos” outrora não tratados, objetivando proporcionar maior coerência nos cálculos (via de regra).
Contudo, estão muito distantes de resolver os inúmeros problemas pertinentes às regras dos Preços de Transferência no Brasil, as quais, embora espelhadas em modelos de outros países, são muito mais inflexíveis e evidenciam uma característica fiscalista e arrecadatória.
Ademais, o fato de estas alterações terem sido promovidas por meio de Instrução Normativa, poderá levar os contribuintes a recorrerem ao Poder Judiciário, em especial aqueles que se sentirem prejudicados pelas alterações. Obviamente, a RFB defenderá, como já ocorreu em outras situações, que se trata de mera interpretação da Lei, não havendo qualquer ilegalidade envolvida. Esta resposta caberá aos nossos tribunais!