Por Luciano Nutti
Consultoria Tributária – Impostos Diretos
Foi publicada, no DOU de 05.04.19, a Instrução Normativa RFB nº 1.881/19, a qual trouxe modificações importantes na apuração dos tributos federais, mais especificamente em relação ao IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Uma das alterações de maior relevância, indiscutivelmente, é a inclusão dos §§ 4º a 10 ao artigo 26 da IN 1.700/17, que trata do conceito de Receita Bruta para fins tributários.
Ressalte-se que, sob a ótica contábil, o Pronunciamento Contábil “CPC 47 – Receita de Contrato com Cliente” já havia consolidado as diversas normas que tratavam do reconhecimento de Receita, revogando as normas anteriormente vigentes (CPC 17, CPC 30, ICPC 02, ICPC 11).
O primeiro parágrafo incluído no artigo 26 da IN 1.700/17 (§ 4º) estabelece que “salvo disposição em contrário, a receita bruta será reconhecida no período de apuração em que for configurada a aquisição de sua disponibilidade econômica ou jurídica, independentemente da avaliação quanto à probabilidade de não recebimento do valor pactuado ou contratado”.
O § 6º, por sua vez, determina que “se for adotado procedimento contábil do qual resulte valor de receita bruta ou momento de reconhecimento dessa receita diferente do estabelecido pela legislação tributária, a pessoa jurídica deverá registrar a diferença mediante lançamento a débito ou a crédito em conta específica de ajuste da receita bruta, que será considerada no cálculo da receita líquida a que se refere o § 1º.
Os parágrafos seguintes tratam ainda do detalhamento destas contas de ajuste, devendo as mesmas serem analíticas e registrarem os lançamentos em último nível, criadas de acordo com a origem da diferença verificada. Alternativamente, poderá ser criada uma conta única, mantendo o detalhamento específico dos valores nela registrados, permitindo assim sua identificação.
Neste cenário, a exemplo da criação de subcontas já prevista na Lei 12.973/14 e IN 1700/17, deverão ser criadas contas específicas para segregação das diferenças apuradas entre as receitas de natureza contábil e tributária. Caso a diferença possua natureza de dedução da receita bruta, esta deverá ser registrada na conta representativa da respectiva dedução.
Embora a intenção destas mudanças tenha sido, de fato, normatizar os reflexos tributários das alterações promovidas pelo CPC 47, convém lembrar que referido CPC não trouxe somente alterações às normas contábeis, mas também a consolidação de normas anteriormente previstas em outros CPCs (conforme mencionado anteriormente), dentre eles, o CPC 30.
De qualquer forma, já era possível afirmar que as modificações introduzidas pelo CPC 47 não teriam implicação na apuração dos tributos mesmo antes de serem regulamentadas. Isso porque o art. 58 da Lei 12.973/14 determinava que “a modificação ou a adoção de métodos e critérios contábeis, por meio de atos administrativos emitidos com base em competência atribuída em lei comercial, que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria”.
Isso nos leva a uma reflexão interessante! Desde a revogação do Regime Tributário de Transição – RTT, onde todos os ajustes contábeis para adequação às normas internacionais de contabilidade eram neutralizados, criou-se uma lacuna entre o Conceito de Receita, sob a ótica contábil, e seus impactos na apuração dos tributos federais mencionados.
O RTT vigorou até 31/12/2014, entrando em vigor, a partir de então (01/01/2015), a Lei nº 12.973/2014 (a partir 01/01/14 para os optantes pela adoção antecipada).
O objetivo da Referida Lei, ao revogar o RTT, foi tratar de cada um dos reflexos tributários existentes, em face das alterações contábeis para adequação às normais internacionais de contabilidade. Contudo, referida Lei foi omissa em relação aos reflexos tributários relacionados à alteração do conceito de Receita, exceto em relação a ajustes pontuais em que a legislação foi categórica ao determinar que não produziria qualquer reflexo tributário, a exemplo do AVP – Ajuste a Valor Presente.
Com isso, o entendimento majoritário era de que os impactos contábeis relacionados às Receitas (exceto para aqueles efetivamente previstos) seriam válidos também para fins tributários.
Um exemplo clássico é o cut off, que consiste no ajuste para eliminar, da receita bruta, os valores referentes às faturas emitidas sem que tenha ocorrido a transferência dos riscos e benefícios para o cliente (mercadoria não entregue ao seu destino no próprio mês). Pelas regras do CPC 47, as quais já haviam sido recepcionadas pelo CPC 30 (ou seja, antes da publicação da Lei 12.973/14), esta receita deve ser desconsiderada contabilmente, o que diminui o total da receita bruta auferida no mês.
Em tese, realmente não faz muito sentido que esta diminuição de receita seja considerada para fins tributários, sendo o procedimento mais lógico o de desconsiderar este impacto para fins tributários.
Entretanto, desde a revogação do RTT e inserção da Lei 12.973/14, cuja omissão em relação ao tema é flagrante, entende-se, pela literalidade da Lei, que o Fisco acolheu este ajuste também para fins tributários, ainda que não tenha sido sua verdadeira intenção.
Isso porque a figura do cut off não foi introduzida pelo CPC 47, mas já existia mesmo antes da publicação da Lei 12.973/14. Assim, não se trata de alteração posterior, conforme previsto no artigo 58 acima mencionado e, portanto, a neutralidade tributária deveria ter sido tratada pela referida Lei, indubitavelmente. Neste prisma, temos que, ainda que o legislador tenha tido a intenção por meio da IN 1.881/19 de abarcar todos os ajustes contábeis constantes do CPC 47, para fins de neutralidade tributária, não o fez efetivamente em relação ao cut off. Assim, permanece a interpretação majoritária, com base na literalidade das normas vigentes, de que o ajuste contábil do cut off deve ser mantido também para fins tributários.
Por fim, vale ressaltar que a IN 1.881/19 trouxe ainda outras alterações importantes na apuração dos tributos federais, das quais destacamos: (i) valores que devem ser considerados para determinação das perdas no recebimento de créditos (valor original acrescido de reajustes previstos em contrato e eventuais acréscimos moratórios decorrentes da não liquidação, considerados até a data da baixa, diminuídos os valores amortizados); (ii) tratamento tributário para as receitas financeiras computadas nas contraprestações de arrendamento mercantil; (iii) regras de conversão em reais para as exportações; (iv) regras de dedutibilidade de doações; (v) condições para ajustes no e-Lalur nas operações de incorporação, fusão e cisão, que resultem em operações de mais ou menos valia e goodwill; (vi) impactos da mudança de regime de tributação (lucro presumido para lucro real); dentre outras.
Incontestavelmente, as alterações promovidas pela IN 1.881/19 são de grande relevância aos contribuintes, especialmente em relação à normatização da neutralidade tributária das alterações promovidas pelo CPC 47. Contudo, é inegável que ainda estão distantes de revestirem-se da clareza necessária para dar o conforto necessário aos contribuintes. Assim, toda a cautela na interpretação e aplicação das referidas normas será muito bem-vinda!