Por Pedro César da Silva
Diretor da Athros
É comum que processos judiciais, visando a recuperação de tributos, se arrastem por anos em nossos tribunais. Quando finalmente o contribuinte obtém sucesso, com trânsito em julgado da decisão judicial em seu favor, constata-se que parcela relevante do crédito tributário corresponde à atualização monetária, mediante aplicação da taxa Selic.
Um exemplo atual, e muito relevante, é o reconhecimento da não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, que representa valores expressivos de tributos a recuperar e, por consequência, de valores de atualização monetária igualmente relevantes.
Quanto mais antigo é o crédito tributário, obviamente, maior será a representatividade da referida atualização.
Neste cenário, após anos de discussão judicial, o contribuinte inevitavelmente se depara com outra realidade a ser administrada, qual seja, a incidência de tributos sobre os créditos tributários e o descasamento entre o momento do reconhecimento do crédito e a efetiva transformação dos créditos em caixa, este último ocorrendo apenas na compensação com tributos federais vincendos.
O objetivo aqui não é tratar das polêmicas envolvendo o entendimento sobre qual seria o momento juridicamente adequado para o reconhecimento do crédito. No entanto, não podemos deixar de consignar que, perante os olhos das autoridades fiscais, o reconhecimento deveria ocorrer no momento do trânsito em julgado da ação judicial.
Nesta oportunidade, a finalidade é chamar a atenção para a discussão sobre a natureza jurídica da atualização pela taxa SELIC e seus reflexos tributários.
De um lado, temos a visão dos contribuintes no sentido de que os valores recebidos a título de juros de mora e correção monetária quando da repetição do indébito não constituem acréscimo patrimonial, não configurando, assim, base de cálculo do IRPJ e da CSLL, nos termos dos arts. 153, III, e 195, I, “c”, de nossa Carta Magna. Assim, segundo esse entendimento, a atualização pela SELIC representaria mera recomposição do patrimônio e não efetivo incremento patrimonial, tampouco receita ou faturamento.
Por seu turno, um dos argumentos da Fazenda Nacional é de que, na repetição do indébito tributário, sendo tributável o principal, seria legítima a tributação da atualização monetária e dos juros de mora, diante da regra de que “o acessório segue o principal”.
Por certo, não podemos deixar de registrar que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, por meio do REsp nº 1.138.695/SC, julgado pelo regime do art. 543-C do CPC (Recurso Repetitivo), decidiu que os juros de mora oriundos dos depósitos judiciais realizados em demandas que discutem as relações jurídico- tributárias, ou os decorrentes da restituição de indébito tributário, estão sujeitos à incidência do IRPJ e da CSLL.
Quanto à atualização dos depósitos judiciais, o STJ considerou possuírem natureza remuneratória (enquanto a atualização das restituições de indébitos tributários, reconhecidamente, possui natureza indenizatória). Entretanto, considerou também o STJ que se assemelham aos lucros cessantes e, por esta razão, representariam acréscimo patrimonial passível de tributação.
No entanto, o STF ainda analisará o tema, pois no fim do ano passado, o ministro Dias Toffoli liberou para julgamento o Recurso Extraordinário nº 1.063.187, Tema 962, de repercussão geral, no qual se discute a incidência do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os valores recebidos pelo contribuinte pela aplicação da taxa Selic, quando da repetição do indébito tributário.
Portanto, quando do julgamento, finalmente o STF decidirá se os valores pagos aos contribuintes em razão da aplicação da taxa Selic se configuram ou não como renda, ou seja, se sujeitos ou não à tributação do IRPJ e da CSLL. Entendemos que há real possibilidade de que o STF julgue a favor da inconstitucionalidade da incidência de tributos sobre a atualização decorrente da aplicação da taxa Selic.
Um aspecto que pode ser eventualmente debatido é o fato de que a Taxa Selic é um índice que engloba tanto os juros de mora quanto a atualização monetária, não sendo possível segregar a parcela correspondente a um e a outro. Nesse contexto, vale lembrar o entendimento já proferido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.111.189-SP, no qual se firmou o entendimento de que se aplica a taxa Selic na atualização monetária do débito tributário, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de juros, seja de atualização monetária.
Assim, ainda que se entendesse pela eventual tributação apenas dos juros de mora, seria inviável a apuração do quantum devido. No entanto, vale ressaltar que esse cenário foi criado pelo Estado e não pelos contribuintes. Assim, seria de todo inaceitável se a indivisibilidade da Selic culminasse em prejuízo aos contribuintes.
Não é desconhecido o fato de que existe volumosa doutrina e jurisprudência, bem como leis, que reconhecem os juros legais moratórios (e a taxa Selic possui esta natureza) como verba de natureza indenizatória.
No tocante à atualização monetária, é cristalino que não se trata de acréscimo patrimonial, pois o que se procura é manter o poder aquisitivo da moeda, ou seja, evitar perdas e não gerar ganhos, sendo certo que não incide IRPJ e CSLL sobre essa verba, pois não representa acréscimo ao patrimônio, tampouco receita ou lucro.
Portanto, a exigência de IRPJ e CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito ou no levantamento de depósito judicial é inconstitucional, à medida que viola o art. 153, III e art. 195, I, “c”, da Constituição Federal.
O tema é de extrema relevância devido à amplitude de casos em que o contribuinte tem o direito reconhecido à restituição de créditos tributários com a atualização pela aplicação da taxa Selic, inclusive, nos casos de levantamento de depósitos judiciais.
Neste prisma, sugerimos que sejam identificados os valores de atualização monetária relacionados com a repetição de indébitos tributários, bem como os decorrentes de depósitos judiciais, nos últimos cinco anos, avaliando assim a conveniência de propositura de medida judicial visando a não incidência tributária sobre os referidos créditos.