Pedro Cesar da Silva
CEO
Athros Auditoria e Consultoria + SFAI
Recentemente, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, divulgou o parecer do Relator, Senador Eduardo Braga, sobre o PLP 108/24, que trata da regulamentação da Reforma Tributária.
Esse diploma legal, dentre outros aspectos, estabelece normas gerais para o ITCMD em seu Livro II (arts.163 ao 193).
Nesse contexto, faz-se necessário lembrar que a competência da União para legislar sobre o ITCMD limita-se a fixar normas gerais, nos termos do art. 146, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal.
Assim, normas específicas relativas aos impostos são da competência legislativa privativa dos Estados e do Distrito Federal.
Segundo nos esclarece o relatório do Senador Eduardo Braga, o cenário atual é de inexistência de lei geral sobre o ITCMD, razão pela qual os Estados e o Distrito Federal exerceram sua competência legislativa plena a respeito do imposto (art. 24, § 3°, da CF).
Ou seja, com a aprovação desse PLP, teremos a superveniência de Lei Geral do ITCMD, a qual estabelecerá o novo marco legal do imposto, vinculando, a partir de sua entrada em vigor, todos os entes federados competentes para a sua cobrança.
Abaixo destaco alguns pontos positivos previstos no substitutivo.
Um dos pontos positivos do substitutivo é que foi suprimido o caput do art. 168, que estabelecia que não se considera oriundo de transmissão causa mortis o benefício devido em razão de contrato de risco, incluído aquele decorrente de conversão em renda. Em substituição foi introduzido no Substitutivo a tese fixada pelo STF no âmbito do RE nº 1.363.013, com repercussão geral, cuja decisão transitou em julgado em
27 de março de 2025. A Corte Suprema estabeleceu que:
“É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quanto ao repasse, para os beneficiários, de valores e direitos relativos ao plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) ou ao Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano”.
A substituição do termo “contrato de risco” pelos termos utilizados pelo STF afasta possíveis interpretações que possam ir de encontro à tese fixada pelo STF.
Quanto a não incidência, o PLP previa, apenas, que o imposto não incide sobre a extinção de usufruto ou de qualquer outro direito real que resulte na consolidação da propriedade plena sob titularidade do instituidor do direito.
Adicionalmente, consideramos adequado trazer para o texto diversas outras hipóteses de não incidência já reconhecidas pela jurisprudência brasileira e previstas em diversas legislações estaduais.
Assim, o Substitutivo acresceu ao art. 150 as seguintes hipóteses de não incidência, em linha com a jurisprudência sobre o tema:
- a renúncia à herança ou ao legado, desde que seja feita sem ressalva ou condição, em benefício do monte, e desde que não tenha o renunciante praticado qualquer ato que demonstre aceitação da herança ou do legado;
- benefício devido em razão de contrato de previdência privada complementar, de seguro, de pecúlio ou de similares negócios jurídicos onerosos com elementos de aleatoriedade, ainda que o beneficiário seja um terceiro;
- a extinção do fideicomisso, independentemente de a consolidação da propriedade reverter-se em proveito do fiduciário ou do fideicomissário;
- a transmissão do bem ou do direito ao trustee diante da presunção da sua onerosidade, salvo se a transmissão for gratuita;
- a transmissão de bens e direitos do trustee ao beneficiário, nos casos de:
- o beneficiário ser o próprio instituidor; ou
- a instituição do trust tiver decorrido de um negócio oneroso entre o instituidor e o beneficiário;
- a transmissão causa mortis em decorrência do falecimento de funcionário de missão diplomática ou de repartição consular de carreira, e de seus respectivos dependentes que com ele vivam, desde que o funcionário falecido não seja brasileiro ou estrangeiro com residência permanente no Brasil.
Por fim, de extrema relevância, foi a simplificação no que tange à base de cálculo do ITCMD na transmissão de quotas ou ações que não são negociadas na bolsa de valores ou em balcão organizado.
O texto aprovado pela Câmara prevê um critério de extrema complexidade e oneroso. Seria necessário o uso de diversas ferramentas e técnicas de avaliação e é influenciado por múltiplas variáveis, como taxas de desconto, fatores de risco, custos operacionais, ativos intangíveis, patentes tecnológicas, entre outros elementos.
Segundo relator, essa complexidade metodológica aumenta a subjetividade e a dificuldade na definição de critérios uniformes, indo de encontro aos princípios da simplicidade e transparência.
Por esse motivo, o substitutivo acolheu emendas que alteram a base de cálculo para ser o valor patrimonial, correspondente ao patrimônio líquido dividido pela quantidade de quotas ou ações representativas do capital social integralizado.
A adoção do valor patrimonial das quotas ou ações, como norma geral, para fins de terminar a base de cálculo do ITCMD, deverá levar alguns Estados que atualmente adotam critérios que vão além, acrescentando avaliação a mercado de ativos e até mesmo de rentabilidade futura, a rever suas legislações.
A título de exemplo do quanto é relevante a definição trazida pelo substitutivo, podemos considerar a legislação de São Paulo (Lei nº 10.705/2000) a qual prevê que nos casos que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 dias, será admitido o respectivo valor patrimonial.
Apesar da clareza do dispositivo acima o Estado de São Paulo passou a autuarcontribuintes que integralizaram imóveis em sociedades pelo custo de aquisição e, posteriormente, doaram as quotas pelo seu valor patrimonial.
Segundo o fisco estadual, o patrimônio líquido da sociedade deveria ser ajustado para refletir o valor de mercado dos bens integralizados, especialmente quando se trata de bens imóveis.
A jurisprudência no TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) é amplamente favorável aos contribuintes, prevalecendo o entendimento de que a legislação paulista permite expressamente o uso do valor patrimonial como base de cálculo do ITCMD, além de não prever regra específica que exija reavaliar os ativos detidos pelas empresas.
Por sua vez, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) não havia se pronunciado sobre a matéria, entendo que as decisões do TJSP se basearam na interpretação da legislação local, afastando a possibilidade de análise pelo STJ.
No entanto, recentemente, o STJ proferiu uma decisão que poderia impactar esse entendimento. No julgamento do REsp nº 2.139.412/MT, o STJ decidiu que o fisco poderia desconsiderar o valor patrimonial das quotas declarado pelo contribuinte quando verificar que não teria sido apurado isoladamente o valor de mercado dos imóveis integralizados na sociedade.
Essa decisão do STJ, apesar de isolada, representa um precedente preocupante que poderá influenciar a interpretação do tema.
Nesse contexto, reafirmo a importância de que o tema seja tratado pelo substitutivo definindo que a base de cálculo será o valor patrimonial das quotas/ações, contribuindo para pacificar o tema.
Vamos ficar na torcida para que esses avanços não sejam reduzidos ou eliminados pelo plenário do Senado Federal.