Por Juliano Morais e Elton Duarte
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Athros Auditoria e Consultoria
Nos dias atuais, de forma global, um tema que está ganhando cada vês mais importância e visibilidade no mundo dos negócios é o assunto de criptoativos. Diante desse cenário, os órgãos reguladores de mercado de capitais do mundo inteiro estão se movimentando no sentido de acompanhar essa nova tendência de novo tipo de negócio que está vindo para ficar. No Brasil não é diferente, e a Comissão de Valores Mobiliários — CVM, buscando se antecipar e acompanhar o mercado, publicou em 11 de outubro de 2022 o Parecer de Orientação nº 40 intitulado de “Os Criptoativos e o Mercado de Valores Mobiliários”.
Tal parecer de orientação visa esclarecer o entendimento da CVM sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem considerados como valores mobiliários. Não obstante, tal publicação visa esclarecer os limites de atuação e a forma como a CVM deverá exercer seus poderes para normatizar e fiscalizar a atuação desses integrantes no mercado de capitais.
Diante do fato de atualmente não existir legislação específica sobre o tema, com tal publicação, a CVM objetiva garantir um maior nível de previsibilidade, segurança, bem como de fomentar ambiente favorável ao desenvolvimento dos criptoativos, com integridade e com aderência a princípios constitucionais e legais relevantes. Com isso, a CVM entende estar contribuindo de forma geral para: (i) a proteção do investidor e da poupança popular; (ii) a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro, (iii) prevenção e combate à corrupção; (iv) controle à evasão fiscal; e (v) prevenção e combate ao financiamento do terrorismo e/ou proliferação de armas de destruição em massa, conforme é mencionado no Parecer de Orientação nº40 (p.2, 2022) (doravante “parecer”).
De forma bastante objetiva, entende-se como criptoativos os títulos transacionados digitalmente e operacionalizados de forma totalmente virtual, ou seja, as transações e armazenamento desse tipo de ativo ocorrem por meio de uma rede de computadores e tecnologia protegidos por criptografia. A origem dos criptoativos se deu devido à necessidade de transferências de valores entre indivíduos ou empresas, nacional ou internacionalmente, por meio eletrônico, de forma rápida e sem intermédio de instituições financeiras. A seguir, vejamos a definição de criptoativos que é trazida pela CVM por meio do referido parecer:
“Criptoativos são ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs). Usualmente, os criptoativos (ou a sua propriedade) são representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis”.
Nesse mercado, a designação adotada para os criptoativos é denominada como “token”, já que esses podem desempenhar várias funções dependendo do contexto em que estão inseridos. Sendo assim, em tal parecer orientativo, a CVM busca empregar uma abordagem funcional quanto à taxonomia que indicará o tratamento jurídico a ser aplicado a cada classe de token, deixando claro que um único criptoativo pode se enquadrar em mais de uma definição, não tendo exclusividade um token para cada fim, dependendo das funções que desempenha e direitos associados a ele. Vejamos a seguir a taxonomia trazida inicialmente pela CVM de acordo com o referido parecer:
- “Token de Pagamento (cryptocurrency ou payment token): busca replicar as funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor;
- Token de Utilidade (utility token): utilizado para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços; e
- Token referenciado a Ativo (asset-backed token): representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. São exemplos os “security tokens”, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFTs) e os demais ativos objeto de operações de “tokenização””.
Ainda para contextualização, de acordo com a Lei nº 6.385/76 que Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários, todo e qualquer título ou contrato de investimento coletivo ofertados publicamente, sejam esses emitidos por instituições públicas ou privadas, e que deem direito ao seu portador a participação, parceria ou emolumentos, sejam os rendimentos oriundos de esforços do empreendedor ou de terceiros, são considerados como valores mobiliários e estarão submetidos a regulação cuja competência é de esfera da CVM.
Entretanto, ainda sobre a Lei nº 6.385/76, sobretudo pelo seu artigo 2º, não há uma definição sobre criptoativo, todavia, para a correta determinação de um criptoativo como valor mobiliário, se faz necessário análise das características de cada criptoativo em particular. Em tal parecer supracitado, a CVM elenca algumas das características a serem observadas para avaliação e potencialmente enquadramento de um criptoativo como valor mobiliário:
- “Investimento: aporte em dinheiro ou bem suscetível de avaliação econômica;
- Formalização: título ou contrato que resulta da relação entre investidor e ofertante, independentemente de sua natureza jurídica ou forma específica;
- Caráter coletivo do investimento;
- Expectativa de benefício econômico: seja por direito a alguma forma de participação, parceria ou remuneração, decorrente do sucesso da atividade referida no item (v) a seguir;
- Esforço de empreendedor ou de terceiros: benefício econômico resulta da atuação preponderante de terceiro que não o investidor; e
- Oferta pública: esforço de captação de recursos junto à poupança popular”.
Ao se tratar da transparência e clareza das informações, a CVM enfatiza em tal orientação que, para os criptoativos considerados como valores mobiliários, deverá ser observada necessidade de observação da conformidade com o princípio da ampla e adequada divulgação (full and fair disclousure), sendo assim, a CVM tem como objetivo prezar pela transparência das transações com criptoativos e reforçar a importância da adequada divulgação das informações.
No parecer, a autarquia também afirma que não compete a ela realizar intervenções quanto as oportunidades de investimentos a serem ofertadas ao público, entretanto, compete à CVM agir em prol daqueles que detém direito junto a valores mobiliários e demais agentes econômicos, zelando pela transparência e fácil acesso às informações que se fizerem necessárias, e essas devem ser claras, conformes e completas.
A CVM também esclarece ao mercado que ela é condescendente às novas tecnologias e mudanças atuais do mercado de capitais, e que o entendimento, mapeamento e emprego dessas tecnologias torna o mercado de valores mobiliários mais amplo e diverso. Quanto à regulação dessas tecnologias, a autarquia comenta não haver escopo para normatizá-las, porém, os ativos ofertados de forma digital por meio delas, dependendo da natureza e métodos, sendo considerados valores mobiliários, podem estar sujeitos à aplicabilidade de legislação específica.
Tratando-se do mercado marginal de criptoativos, fica também esclarecido em tal parecer que a CVM se mantém alerta ao não cumprimento das leis e regulamentações vigentes sobre as transações ocorridas no mercado brasileiro de capitais, atuando na prevenção de todo e qualquer ato ilícito, atuando com a emissão de alertas de suspensão, denúncias ao Ministério Público Federal, abertura de processos administrativos e outros mecanismos de prevenção e punição.
No que tange às orientações apresentadas no parecer publicado, nota-se que o tema está em presente discussão, uma vez que os criptoativos ainda são um tópico recente e que, no momento, não há uma regulamentação específica, estando essa modalidade de ativo à luz da interpretação das vigentes, essas que não definem e não regulam os criptoativos de forma direta. Devido ao cenário exposto, a CVM destaca que continuará acompanhando a oferta de criptoativos, tanto nas condições hoje encontradas e, também, nas que porventura vierem a surgir, e, caso for necessário, no que compete à autarquia, fará as devidas regulamentações.
Como se pode notar acima, o tema de criptoativos é algo que veio para ficar no nosso cotidiano e não podemos deixar de acompanhar. A Athros está atenta a esse tema e acompanhará todos os desdobramentos e novidades que surgirem, inclusive novos posicionamentos e eventuais normativas de nossos órgãos reguladores.