Por Rodrigo Soldati Oliva
Sócio-Diretor Auditoria
Athros Auditoria e Consultoria
No Brasil, entre as muitas formas e possibilidades que existem de as companhias se capitalizarem, trataremos aqui uma forma bastante usual e praticada por empresas de pequeno, médio e grande porte, que é a forma de capitalização oriunda de recursos aportados pelos sócios da companhia, a título de adiantamento para futuro aumento de capital (“Afac”).
Conceitualmente, como o próprio nome diz, os adiantamentos para futuro aumento de capital são os recursos recebidos pela companhia, dos acionistas ou quotistas, destinados a aumentar seu capital social.
No que tange à sua classificação contábil, muito se discute sobre qual deveria ser a adequada apresentação no balanço patrimonial. O fisco é da corrente de interpretadores que entendem e defendem que a forma correta de se apresentar o Afac, independente das circunstâncias, deve ser como exigibilidade (passivo). Tal veemência por parte do fisco é alicerçada em seu próprio entendimento oficial que foi materializado há cerca de 40 anos, por meio do Parecer Normativo CST nº23/1981, que em síntese estabelece que:
1 – Ocorrendo a eventualidade de adiantamento para futuro aumento de capital, qualquer que seja a forma pela qual os recursos tenham sido recebidos – mesmo que sob a condição para utilização exclusiva em aumento de capital –, esses ingressos deverão ser mantidos fora do patrimônio líquido, por serem esses adiantamentos considerados obrigação para com terceiros, podendo ser exigidos pelos titulares enquanto o aumento de capital não se concretizar.
2 – O patrimônio líquido fica definitivamente aumentado quando, após a subscrição, ocorrer o recebimento de cada parcela de integralização.
Diante de discussões administrativas que foram levadas para julgamento do Carf, podemos citar o Acórdão nº 3401-004.338, proferido pelo Carf, segundo o qual as operações de Afac deverão ser formalizadas por meio da celebração de um compromisso prévio, formal e irrevogável, estabelecendo que os recursos em questão se destinam exclusivamente ao aumento de capital.
Ainda, segundo o Carf, outro requisito importante a ser observado pelo contribuinte é a necessidade de integralização dos valores transferidos a título de Afac até a primeira Assembleia Geral Extraordinária (AGE), para as sociedades anônimas ou alteração contratual, no caso de sociedades limitadas, após o ingresso dos recursos na sociedade.
Por outro lado, a Lei nº 6.404/1976 (Lei das S/A), a Lei nº 11.638/2007 (lei que altera/inclui dispositivos da lei das S/A) e o CPC – Comitê de Pronunciamento Contábil, são omissos quanto à adequada apresentação contábil a ser aplicada. Diante de tal ausência expressa de determinação técnica sobre a adequada apresentação do Afac, o Conselho Federal de Contabilidade (“CFC”) emitiu a resolução CFC nº 1.159/2009 (deve ser avaliada em conjunto com a resolução 1.329/2011, que traz alteração parcial posterior sobre a resolução em questão), que aprova o Comunicado Técnico CTG 2000, que aborda como os ajustes das novas práticas contábeis adotadas no Brasil trazidas pela Lei nº. 11.638/07 e MP nº. 449/08 devem ser tratados e menciona, entre outros aspectos:
Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (Afac)
- Esse grupo não foi tratado especificamente pelas alterações trazidas pela Lei nº. 11.638/07 e MP nº. 449/08; todavia, devem ser à luz do princípio da essência sobre a forma classificados no Patrimônio Líquido das entidades.
- Os adiantamentos para futuros aumentos de capital realizados, sem que haja a possibilidade de sua devolução, devem ser registrados no Patrimônio Líquido, após a conta de capital social. Caso haja qualquer possibilidade de sua devolução, devem ser registrados no Passivo Não Circulante.
A ausência de legislação contábil e consequentemente a ausência de determinação expressa sobre como conduzir tal assunto deixa de certa forma o contabilista desamparado e até mesmo vulnerável no que diz respeito a um suporte técnico legal. Contudo, pode-se dizer que tal fato faz com que aumente a responsabilidade do profissional de contabilidade, e, delega a ele certa autonomia oculta, para que ele possa interpretar e julgar o fato e deliberar sobre a mais adequada forma de se contabilizar o Afac, ou seja, determinar se o Afac deve ser apresentado no passivo ou no patrimônio líquido. Certamente, pode-se dizer que tal autonomia deve ser acompanhada de elevado grau de ceticismo técnico e profissional e espera-se que o contabilista alicerce sua decisão, buscando detalhes sobre a operação – e que busque compreender a essência e desejo por parte dos administradores com tal aporte (à luz do princípio da essência sobre a forma). Portanto é necessário avaliar se trata-se de fato de uma questão de tempo para que o Afac possa ser convertido em aumento de capital social ou se é exclusivamente uma forma de a companhia suprir a necessidade de equalizar seu fluxo de caixa.
Não obstante, com relação à necessidade de se obter a asseguração acima mencionada, destacamos que a administração da companhia pode adotar como premissa documentar os fatos e atos por meio de instrumentos formais irrevogáveis entre os sócios e órgãos diretivos da companhia e não apenas em declarações orais. Nesse instrumento formal deve conter minimamente o objetivo do aporte financeiro e um prazo pré-estabelecido para que o aumento efetivo do capital social ocorra.
Ressalta-se que uma evidência objetiva de que o Afac deve ser registrado no patrimônio líquido é quando não existe a prática de ocorrer devoluções parciais dos recursos recebidos. Caso haja indícios de existência de devoluções de numerários, ainda que parcial, tal fato pode ser um indício significativo que pode configurar em sua essência apenas uma transação de empréstimo momentâneo, e tal fato, ensejaria que a classificação contábil no balanço patrimonial fosse como passivo.
Por outro lado, quando os aportes realizados a título de Afac são efetuados pelos sócios com a finalidade de a companhia devolver tais recursos, a classificação contábil adequada deverá ser o passivo. Essa situação ocorre normalmente quando a companhia está com dificuldades financeiras e os sócios fazem aportes momentâneos visando equalizar o fluxo de caixa e receber seus recursos de volta posteriormente. Sobre tal situação, vale salientar e chamar a atenção aqui, que quando classificado no passivo, o Afac poderá ter um caráter único e exclusivo de captação de recursos e poderá ser caracterizado como mútuo e estará sujeito à tributação de impostos (IOF) e eventualmente à incidência de juros, portanto é muito importante que a administração da companhia esteja atenta a essa situação para evitar possíveis questionamento tributários.
Outro detalhe importante a ser acrescentado é que se o Afac for classificado como patrimônio líquido mediante um instrumento formal e ultrapassar a data limite para integralização do capital social, recomenda-se fortemente que ele seja reclassificado para o passivo ou que novo instrumento seja formalizado. Nesse caso, descumprimentos sucessivos do prazo-limite podem indicar que na essência trata-se de um passivo.
Como se pode notar, a ausência de suporte legal e orientação expressa sobre a adequada forma de se contabilizar o Afac sobre a óptica contábil e a orientação expressa por parte do fisco, com um entendimento voltado apenas para atender um viés tributário, exige-se que o profissional da área contábil tenha ceticismo e discernimento necessário para fundamentar e embasar muito bem sua decisão para que num eventual questionamento futuro possa apresentar e defender sua tese com propriedade. Em certas situações que envolvem relevância envolvida (valores vultuosos), visando seguir as boas práticas de mercado e governança corporativa, recomenda-se inclusive que o contabilista obtenha uma opinião de terceiros.